20/03/2015 - 20:00
O pacato cotidiano das freiras do Convento de las Monjas Trinitarias Descalzas, em Madri, nunca mais será o mesmo. Na terça-feira 17, uma equipe de cientistas de diversas instituições da Espanha anunciou que descobriu em antigas criptas no subterrâneo da edificação a ossada do escritor Miguel de Cervantes (1547-1616), pai do romance moderno e autor de “Dom Quixote”. Com o achado, a prefeitura da cidade – que financiou a pesquisa, orçada em 115 mil euros (cerca de R$ 400 mil) – anunciou que abrirá o local ao público no ano que vem, no aniversário de 400 anos da morte do escritor. Também está sendo estudada a realização de um funeral oficial e a inauguração, ali, de um museu dedicado à memória do literato, o que deve impulsionar o turismo no país. “Você conhece Cervantes lendo sua obra. Mas, com o projeto, nós descobrimos a localização exata de seu sepulcro, além de informações sobre seus últimos dias”, disse à ISTOÉ a arqueóloga Almudena García-Rubio, uma das responsáveis pelo achado.
ACHADO
Acima, cientistas trabalham em ossadas: 16 corpos encontrados.
Abaixo, o Convento de las Monjas Trinitarias Descalzas, em Madri
Os cientistas sabiam que o corpo de Cervantes se encontrava no convento porque documentos históricos atestavam que o escritor havia pedido para ser enterrado no local. Ele possuía uma antiga dívida de honra com os religiosos. Na juventude, provavelmente por ferir um homem durante uma disputa, fugiu para a Itália e se uniu à Marinha espanhola lá aportada. Participou de batalhas e foi baleado. Em 1571, quando voltava para casa, piratas argelinos o sequestraram nas proximidades de Barcelona. Nos cinco anos em que esteve cativo, tentou fugir quatro vezes, mas só foi libertado depois que a ordem ajudou sua família a pagar o resgate. Nas décadas seguintes, levou uma vida errática e até foi preso antes de se estabelecer como homem de letras. Após a morte, seu cadáver foi para o convento, mas esteve perdido desde que o prédio passou por obras para ampliação, no fim do século XVII.
Os pesquisadores esperavam encontrar ossos com feridas de guerra compatíveis com as de Cervantes. Em vez disso, acharam um caixão com as iniciais M.C. contendo 16 corpos, roupas e moedas da época em que ele foi enterrado. Afirmam não poder identificar com certeza quais dos restos mortais seriam os do escritor, mas, por conta das evidências históricas e arqueológicas, estão certos de que ele e sua mulher estão no conjunto. “A individualização da ossada de Cervantes, porém, não é possível devido ao mau estado de conservação”, diz a arqueóloga García-Rubio. A próxima etapa da pesquisa será dedicada justamente a descobrir qual dos cadáveres pertence ao literato. Por enquanto, os cientistas afirmam que não é possível realizar o teste de DNA pela falta de descendentes e de restos mortais de parentes para a comparação. “É complicado, mas estamos trabalhando para isso. O projeto agora vai nessa direção”, afirma García-Rubio
Fotos: Daniel Ochoa de Alza/AP; Luis Garcia; Prisma Archivo/leemage