O pacato cotidiano das freiras do Convento de las Monjas Trinitarias Descalzas, em Madri, nunca mais será o mesmo. Na terça-feira 17, uma equipe de cientistas de diversas instituições da Espanha anunciou que descobriu em antigas criptas no subterrâneo da edificação a ossada do escritor Miguel de Cervantes (1547-1616), pai do romance moderno e autor de “Dom Quixote”. Com o achado, a prefeitura da cidade – que financiou a pesquisa, orçada em 115 mil euros (cerca de R$ 400 mil) – anunciou que abrirá o local ao público no ano que vem, no aniversário de 400 anos da morte do escritor. Também está sendo estudada a realização de um funeral oficial e a inauguração, ali, de um museu dedicado à memória do literato, o que deve impulsionar o turismo no país. “Você conhece Cervantes lendo sua obra. Mas, com o projeto, nós descobrimos a localização exata de seu sepulcro, além de informações sobre seus últimos dias”, disse à ISTOÉ a arqueóloga Almudena García-Rubio, uma das responsáveis pelo achado.

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ACHADO
Acima, cientistas trabalham em ossadas: 16 corpos encontrados.
Abaixo, o Convento de las Monjas Trinitarias Descalzas, em Madri

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Os cientistas sabiam que o corpo de Cervantes se encontrava no convento porque documentos históricos atestavam que o escritor havia pedido para ser enterrado no local. Ele possuía uma antiga dívida de honra com os religiosos. Na juventude, provavelmente por ferir um homem durante uma disputa, fugiu para a Itália e se uniu à Marinha espanhola lá aportada. Participou de batalhas e foi baleado. Em 1571, quando voltava para casa, piratas argelinos o sequestraram nas proximidades de Barcelona. Nos cinco anos em que esteve cativo, tentou fugir quatro vezes, mas só foi libertado depois que a ordem ajudou sua família a pagar o resgate. Nas décadas seguintes, levou uma vida errática e até foi preso antes de se estabelecer como homem de letras. Após a morte, seu cadáver foi para o convento, mas esteve perdido desde que o prédio passou por obras para ampliação, no fim do século XVII.

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Os pesquisadores esperavam encontrar ossos com feridas de guerra compatíveis com as de Cervantes. Em vez disso, acharam um caixão com as iniciais M.C. contendo 16 corpos, roupas e moedas da época em que ele foi enterrado. Afirmam não poder identificar com certeza quais dos restos mortais seriam os do escritor, mas, por conta das evidências históricas e arqueológicas, estão certos de que ele e sua mulher estão no conjunto. “A individualização da ossada de Cervantes, porém, não é possível devido ao mau estado de conservação”, diz a arqueóloga García-Rubio. A próxima etapa da pesquisa será dedicada justamente a descobrir qual dos cadáveres pertence ao literato. Por enquanto, os cientistas afirmam que não é possível realizar o teste de DNA pela falta de descendentes e de restos mortais de parentes para a comparação. “É complicado, mas estamos trabalhando para isso. O projeto agora vai nessa direção”, afirma García-Rubio

Fotos: Daniel Ochoa de Alza/AP; Luis Garcia; Prisma Archivo/leemage