O panelaço do domingo passado, com barulho capaz de abafar o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff em cadeia nacional, é primo do Occupy Wall Street e da Primavera Árabe.

Um fenômeno de mobilização instantânea, resultado da proliferação dos canais diretos de comunicação em massa, combinada com a falta de capacidade dos governantes em captar o sentimento da população. O que os diferencia é o meio de difusão da mensagem. Os movimentos anteriores – assim como as manifestações de junho de 2013 no Brasil – arrebanharam simpatizantes usando redes sociais públicas, facilmente detectadas por analistas. A ruidosa surpresa da semana passada foi arquitetada em uma rede fechada de mensagens, (ainda) indisponível ao monitoramento. Foi erguida sobre o alicerce de conexões pessoais em grupos privados, que iam se expandindo e se entrelaçando em silêncio. Segue uma dinâmica particular, que ainda será muito estudada. O que é certo para muitos é que assistimos a algo inédito: o primeiro grande evento de massa gestado no universo do WhatsApp. “Esse foi o elemento surpresa do panelaço, que vai gerar muito aprendizado. Como não sabia o que vinha, o governo demorou a reagir”, avalia Manoel Fernandes, sócio da consultoria Bites, especializada na análise de redes sociais.

O WhatsApp é um aplicativo de troca de mensagens via smartphones. Pertence ao grupo do Facebook, rede social com 98 milhões de contas ativas no Brasil – e que, como o Twitter, o YouTube e o Instagram, já começa a ser vista como “rede tradicional”. No Brasil, estima-se que existam 50 milhões de usuários de celulares inteligentes e 40 milhões deles estejam conectados ao WhatsApp.

O Facebook é um ambiente aberto, criado para que as pessoas exponham e compartilhem ideias e conteúdos. O WhatsApp foi criado justamente para oferecer mais privacidade nas relações entre duas pessoas ou dentro de grupos. Depois das manifestações no Egito e em Nova York, quando ficou clara a capacidade de mobilização e engajamento pelas redes abertas, governos, organizações e empresas buscaram maneiras de vigiá-las e influenciá-las mais diretamente através de programas criados para esse fim. Numa rede em que mensagens são trocadas como os antigos telefonemas, é impossível fazê-lo sem quebrar o sigilo garantido constitucionalmente. O jeito, pelo menos por enquanto, é voltar no tempo. A lógica das relações no WhatsApp, novidade no campo do ativismo, assemelha-se mais à das relações pessoais da sociedade há algumas décadas. A velha e boa sociologia talvez funcione melhor para analisá-las do que um software moderno.

Antes de a tecnologia simplificar a tarefa de avaliar a chamada opinião pública, havia mais sensibilidade e menos desprezo pelo zumbido das ruas. Não se pode imputar apenas ao meio de propagação o fato de a convocação para os protestos ter se alastrado. O chamado reverberou na insatisfação, que serviu de combustível para que o barulho de panelas e buzinas fosse muito além do alcance do WhatsApp. “Com mais de 24 horas de antecedência era possível perceber, com vazamentos nas demais redes sociais, que haveria algo no domingo”, afirma Fernandes, da Bites. “O impossível era prever a sua dimensão”. Sobretudo quando não há disposição para se ouvir vozes e verdades que desafiam o discurso oficial.