No dia 10 de fevereiro, Boris Nemtsov, 55 anos, um dos mais ativos opositores do governo russo, deu a seguinte declaração a um site de notícias de seu país: “Tenho medo que Putin possa me matar.” Duas semanas depois, em 27 de fevereiro, Nemtsov caminhou pela última vez com a namorada na Praça Vermelha, um dos símbolos máximos do poder na Rússia. Às 23h30, em uma ponte sobre o rio Moscou e perto da Catedral de São Basílio, um homem surgiu atrás deles e disparou seis vezes. Quatro balas atingiram o líder oposicionista, que morreu na hora. A imagem do corpo de Nemtsov estendido a poucos metros do Kremlin era forte o suficiente para percorrer o mundo e suscitar uma série de perguntas. O presidente Vladimir Putin teria ligação com o crime? A escolha do lugar para a execução – na vizinhança da sede do governo – foi uma provocação? Quem faz oposição na Rússia está marcado para morrer? O primeiro questionamento se deve a acontecimentos do passado recente. Pelo menos outros três adversários do governo Putin morreram em circunstâncias nebulosas. Os casos jamais foram esclarecidos.

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CRIME
O corpo de Nemtsov diante da Catedral de São Basílio, um dos cartões-postais
da Rússia: ele disse que temia ser assassinado

Nemtsov era um tormento para Putin. Há dois anos, apresentou um relatório que acusava assessores e familiares do presidente de desvios de dinheiro. “Putin encarna o que há de pior na política”, disse. “Ele é um ser humano totalmente amoral. É mais perigoso do que os soviéticos jamais foram.” O próximo passo de Nemtsov seria revelar documentos que comprovam o apoio militar clandestino de Putin aos rebeldes separatistas na Ucrânia. Morreu antes disso. A jornalista Anna Politkovskaya também perdeu a vida às vésperas de apresentar um vasto material contra o chefe da Rússia. Ela já tinha escrito dois livros sobre os malfeitos de Putin e estava para lançar um terceiro até ser assassinada a tiros no prédio onde morava. Não deu tempo de apresentar suas novas armas contra o presidente.

Horas depois do assassinato de Nemtsov, Putin declarou que cuidaria pessoalmente para que as investigações avançassem. “O homicídio não ficará impune”, disse. Tudo indica que se trata apenas do velho jogo de cena. Como nas outras vezes em que cadáveres apareceram, integrantes ou aliados do governo fizeram circular suposições diversas, mais confundindo do que explicando. O presidente da Tchetchênia, Ramzan Kadyrov, a quem Putin descreve como amigo, falou que a culpa é das “agências ocidentais de espionagem.” Um membro do segundo escalão do governo russo garantiu que extremistas islâmicos estão por trás do assassinato. Outro levantou a tese de crime passional, citando a “movimentada vida amorosa de Nemtsov.” Putin também lançou hipóteses, insinuando que a morte pode ser obra da oposição. “É surpreendente que porta-vozes da administração tenham rapidamente explicado que o assassinato de Nemtsov foi para desestabilizar o governo” disse à ISTOÉ Mark Harrison, pesquisador do Instituto Hoover. Ou seja, as investigações mal tinham começado e o chefe da nação já tinha um discurso pronto, uma resposta para dar. O mais provável é que o crime jamais seja esclarecido.

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SOB SUSPEITA
O presidente Putin prometeu rigor nas investigações,
mas ninguém acredita que isso vai acontecer

Reprimir vozes que se rebelam contra o governo se tornou corriqueiro na Rússia sob Putin, relembrando os velhos tempos do ditador Joseph Stálin. No dia do assassinato de Nemtsov, outro oponente do presidente, Alexei Navalny, blogueiro e líder do Partido Progressista, foi condenado a 15 dias de prisão por violar leis que proíbem manifestações. Não foi a única prisão por motivos fúteis, nem será a última. Putin vive seu momento mais delicado. A crise na Ucrânia e o desgaste nas relações com os Estados Unidos pioraram o quadro econômico, já debilitado principalmente pela queda do preço do petróleo. Projeções indicam que o PIB russo pode recuar até 3,5% em 2015, o que seria uma tragédia para a popularidade do presidente. Se a intenção foi calar a oposição, a morte de Nemtsov teve efeito contrário. Na semana passada, milhares de manifestantes foram às ruas protestar contra o governo e exigir empenho nas investigações. Putin terá dias difíceis pela frente.

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Fotos: DMITRY SERERYAKOV/AFP; Sergey Guneev/RIA Novosti


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