06/03/2015 - 22:20
A médica Camila Freire da Silva, 26 anos, caminha com desenvoltura e tranquilidade pela favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo na terça-feira 3. Mas ainda se lembra do choque que viveu há um ano e seis meses, quando saiu de Porto Velho, em Rondônia, para atuar na Unidade Básica de Saúde da localidade paulistana. Camila deixou a cidade-natal para se dedicar à saúde básica pelo programa do governo federal Mais Médicos. Desde então, uma vez por semana, ela visita pacientes que não podem se locomover e os atende em suas casas, acompanhada de uma agente de saúde. A jovem foi selecionada quando a iniciativa sofria grande rejeição na comunidade médica brasileira. “No começo, senti um pouco de preconceito por parte dos colegas, mas as pessoas daqui me aceitaram muito bem”, diz.
VISITA
Camila Freire da Silva, de Rondônia, em atendimento
domiciliar na favela de Paraisópolis, São Paulo
ESCOLHA
Com duas residências no currículo, Kátia Marquinis deixou a
rede privada para atender pacientes pelo programa
Diferentemente da primeira fase, em 2013, que reuniu pouco mais de mil médicos brasileiros, o segundo edital, lançado em janeiro, possui 92% das vagas preenchidas por profissionais formados no País. “O Mais Médicos está mudando seu perfil e se transformando em um programa de contratação de brasileiros”, diz Mário Scheffer, coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Segundo o Ministério da Saúde, das 4.146 vagas abertas este ano, 3.823 já foram preenchidas. “É muito provável que a participação dos médicos estrangeiros diminua e eles passem a atuar apenas nos rincões e aldeias indígenas”, afirmou à ISTOÉ o ministro da Saúde, Arthur Chioro. Os cubanos só podem se inscrever numa terceira etapa, após os demais. Em contrapartida, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que 49% das primeiras cidades que receberam a iniciativa dispensaram seus médicos quando os bolsistas chegaram.
Um dos fatores que contribuiu para despertar o interesse dos médicos brasileiros nesta nova fase foi a integração com o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), iniciativa federal que já busca levar profissionais para regiões carentes e concede aos participantes o benefício de 10% de pontuação em provas de residência. “Os municípios não terão de aderir a dois programas diferentes e contarão com uma maior quantidade de médicos atuando nos territórios”, afirma Heider Pinto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. Antes da unificação, os médicos inscritos no Provab atuavam na região escolhida por apenas um ano – hoje os profissionais podem permanecer por mais três. Para Scheffer, o bônus para a residência incentivou a adesão de profissionais brasileiros. “No início, o Provab enfrentou dificuldade de implantação nas universidades, mas hoje vem se mostrando uma política acertada”, diz. Por outro lado, o especialista afirma que a falta de interesse dos médicos em permanecer nas regiões inóspitas ainda é um problema a ser solucionado. “A maioria ficará por conta do benefício, com isso poderá haver uma alta rotatividade”, afirma.
O médico Danilo Lobo Ramos, 30 anos, acabou se mudar para a cidade de Livramento de Nossa Senhora, com 48 mil habitantes, na Chapada Diamantina, a 600 quilômetros de Salvador (BA). Formado pela Universidade Federal da Bahia, ele se inscreveu na segunda fase do Mais Médicos motivado pela bolsa e a oportunidade de especialização. A nova rotina inclui viver em uma região sem sinal de celular, sem internet e percorrer 48 quilômetros de estrada de terra diariamente até o posto de saúde em que trabalha. “Meu primeiro dia de trabalho foi muito difícil, a população é muito pobre, atendi muitas crianças desnutridas, vou ter um grande desafio pela frente”, diz. O médico conta que decidiu abrir mão da residência para se dedicar à medicina da família. “Atendemos cerca de 80% dos problemas da população e criamos um vínculo com os pacientes, muito diferente das outras especialidades”, afirma.
A meta do governo é que o Brasil chegue a 2,7 médicos por mil habitantes até 2026. Atraída pelos desafios da saúde comunitária, a médica Kátia Regina Marquinis, 40 anos, atua há um ano e seis meses na Unidade Básica da Saúde Batistini, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Com uma experiência de 10 anos, residência em cardiologia e oftalmologia no currículo, ela deixou a iniciativa privada para trabalhar no Mais Médicos. Kátia atende uma média de 30 pacientes por dia, principalmente casos de doenças crônicas, diabetes, hipertensão e transtornos mentais. “Comecei a pensar que médicos não têm contato com as pessoas, não as chamam pelo nome”, diz. “E às vezes, a conversa com o paciente é o melhor diagnóstico.”