Durante três décadas, o Antonio’s foi o restaurante preferido da boemia intelectual carioca. Muitos tintins de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Morais, Zózimo Barrozo do Amaral, Jaguar e outros fizeram a fama do lugar. Dá para imaginar a responsabilidade que é ocupar o número 297 da avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon, o endereço do Antonio’s, que fechou as portas em 1996. O seu primeiro sucessor, um restaurante mexicano, não emplacou e o local virou ruínas atrás de tapumes. Agora, vai voltar a ter vida – ainda não se sabe se inteligente. Mês que vem, será inaugurado o Café com Letras, bar e restaurante que leva a grife de Marlene Mattos, a empresária de Xuxa. “Para mim, é um negócio, mas não é o meu negócio”, diz. Ela explica que não entende nada de gastronomia, mas investiu no projeto porque tem plena confiança em suas outras sócias, Argélia Gautto, da Xuxa Produções, e Alda Meneghel, mãe da apresentadora.

A musa inspiradora é Rosely Bonfante, confeiteira da família Meneghel. “A idéia surgiu por causa dos bolos que ela faz, maravilhosos”, diz Argélia, comadre de Marlene. No fim, o perfil foi definido de uma forma versátil: será servido desde o café da manhã até o chope do fim do dia. Para quem gosta de letras haverá livros, revistas e jornais, disponíveis para leitura no local, e não para venda. O conforto se completa com a oferta de computadores ligados à internet. Marlene quer um público diversificado e não está preocupada com a expectativa de que o Café seja reduto de pensadores, como foi o Antonio’s (leia quadro). “Tudo é tão diferente hoje. A modernidade tira um pouco do charme dos lugares e da convivência das pessoas. Os valores, os sentimentos são diferentes. Tempos atrás, os amigos iam para um bar pelo prazer de estarem juntos. Hoje, o encontro é para falar de negócios”, divaga ela.

Argélia resume: “Vamos oferecer um diferencial para públicos diversos.” Essa mistura também era uma característica do Antonio’s, que, no entanto, atraía quem gostava de beber e comer bem. Eventualmente as contas não eram pagas por “motivos de força maior”. Como dois incêndios e pelo menos um assalto, que mais parecia uma anedota. Os ladrões prenderam clientes e funcionários no banheiro e, quando estavam saindo, o cronista Carlinhos de Oliveira gritou: “Levem as contas, por favor!” Segundo consta, os assaltantes atenderam ao pedido.

Estranhos na noite

O Antonio’s nasceu em 1967 como Strangers in the Night – o nome só sobreviveu três dias e foi modificado por pressão de dois de seus primeiros fregueses, o jornalista Armando Nogueira e o escritor Otto Lara Resende. Antonio’s foi uma homenagem ao seu primeiro cozinheiro. O lugar virou trincheira da inteligência carioca devido a uma conjugação de fatores. Boa comida com preços altos, mas não exorbitantes. Bebida de ótima qualidade, endereço acessível. Só fechava depois que o último cliente ia embora. A “saideira” no Antonio’s se tornou obrigatória para os intelectuais da esquerda na época da ditadura militar. Também de artistas como Ziraldo, Tom Jobim e Vinícius de Morais. Dizem que lá funcionava uma redação informal do jornal O Pasquim e era local de trabalho do cronista Carlinhos de Oliveira, que tinha ali até uma máquina de escrever. Muitas dessas histórias estão registradas em livros como   o Antonio’s, escrito pelo publicitário Mário de Almeida, freguês de carteirinha.