Nos dias 23 a 25 de fevereiro, os conselheiros da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) farão a reunião mais esperada por cientistas e também por pacientes brasileiros para quem o acesso a testes com medicamentos experimentais é o último recurso.

No encontro, serão debatidas as propostas de mudança no sistema de aprovação das pesquisas a serem colocadas ainda este mês sob consulta pública (quando a sociedade pode enviar propostas). O objetivo é tornar mais eficiente e menos demorada a aprovação dos estudos. Até um esforço recente feito pela Conep para diminuir o número de estudos na fila de análise, o tempo médio de aprovação era de 10 meses, podendo chegar a 15 meses considerando todos os trâmites. O prazo dos líderes mundiais em pesquisa – Austrália, Coreia do Sul, Estados Unidos e União Europeia – para aprovar um estudo clínico varia entre três e seis meses. A demora brasileira é motivo de queda no número de pesquisas com seres humanos e da pouca atividade em diversos centros de pesquisa, o que pode er prejudicial à inovação científica.

Uma grande expectativa cerca essa reunião. O que se espera é que a Conep adote medidas para acelerar o processo. Conforme a Alianca Pesquisa Clínica Brasil, somos o único país do mundo que exige aprovação tripla para cada estudo. A Aliança é uma iniciativa que reúne representantes do setor, como pesquisadores, médicos, indústria farmacêutica, universidades, centros de pesquisa, hospitais, pacientes e associações. Bastante ativa, tem pressionado o governo em busca de soluções para a excessiva lentidão do ambiente regulatório brasileiro no que se refere às pesquisas clínicas.

No Brasil, para ser aprovado, um protocolo de pesquisa clínica primeiro é submetido à avaliação de um comitê dos 700 Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), que funcionam em hospitais, institutos de pesquisa e universidades ou mesmo de forma independente. Depois, o estudo é remetido para a Conep, que tem até 60 dias para dar seu parecer e mais 30 dias a cada esclarecimento pedido pelos conselheiros. Os CEPs e a Conep analisam o rigor científico e ético do estudo, que passará também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (avalia os dados da substância a ser testada e o plano do estudo). “Há uma sobreposição de funções que contribui para a demora das aprovações”, diagnostica Eduardo Motti, coordenador da Aliança Pesquisa Clínica Brasil.

O coordenador da Conep e do Conselho Nacional de Saúde (ligado ao Ministério da Saúde), Jorge Venâncio, disse ao blog que a proposta da Comissão é que os CEPs tenham maior autonomia e, de acordo com a sua competência, sejam autorizados a aprovar estudos classificados de acordo com o seu grau de risco. A Conep só entraria no processo para resolver eventuais disputas ou em casos excepcionais. Até aí, pesquisadores e outros formadores de opinião do segmento concordam.

O problema é o modo como essas mudanças serão viabilizadas. A proposta que parte da própria Conep é criar um processo de acreditação dos CEPs e padronizar seus critérios de atuação antes de atribuir a eles competências diferenciadas. “Existem países em que cada província tem critérios diferentes. Por isso faremos uma resolução prevendo a possibilidade de o Conep acompanhar o credenciamento dos CEPs”, diz Venâncio.

A Aliança de Pesquisa Clínica Brasil encara a questão de outro jeito. Para o grupo, a Conep possui as informações necessárias sobre o funcionamento dos CEPs para levar adiante a reorganização do sistema. “Embora a intenção de descentralizar a avaliação ética seja válida, a forma como está colocada poderá trazer mais burocracia, sem a certeza de maior agilidade”, diz o coordenador Eduardo Motti.

A definição dos atributos que um Conselho de Ética em Pesquisa deve preencher para ser considerado apto a avaliar estudos conforme o grau de risco dos protocolos não será discutida na próxima semana. Conforme Venâncio, esses atributos serão estabelecidos por meio de uma norma operacional feita pela Conep. “Com as novas regras para acreditação dos CEPs, provavelmente esse processo será implementado só daqui a um ano, no mínimo”, receia o médico Motti.

A reunião irá discutir também meios de resolver o que Venâncio chama de “erros recorrentes”. Um deles é não dar ao voluntário que aceita participar da pesquisa um original do termo de consentimento que assina. “Frequentemente, os pacientes recebem o que se chama de cópia original. Juridicamente, faz diferença”, diz.

Mudanças nas regras da ANVISA

No início de fevereiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determinou novas regras para agilizar a parte que lhe cabe na aprovação das pesquisas clínicas com seres humanos e na importação de materiais para o desenvolvimento científico.
A partir de agora, ANVISA terá 90 dias para se manifestar sobre as pesquisas clínicas com seres humanos em fase 3 (em que o remédio é avaliado em larga escala e em múltiplos centros) com medicamentos sintéticos e realizadas em vários países ao mesmo tempo. Transcorrido esse prazo, se o parecer não vier e o estudo estiver sancionado por um CEP de uma instituição ou pela Conep, poderá ser iniciado. O pesquisador terá também a autorização necessária importar os produtos de que necessita para o estudo.

A mesma norma define um prazo maior para a análise de estudos de fase 1 (testa a tolerância do remédio em pequenos grupos de pessoas sadias) e fase 2 (avalia segurança e eficácia em pacientes doentes) e de pesquisas com medicamentos biológicos (moléculas obtidas de fluidos biológicos, tecidos de origem animal ou material genético). Em todos esses casos, o prazo é de 180 dias de avaliação e as investigações não poderão ter início enquanto a ANVISA não liberar.

A resolução da ANVISA foi implementada depois de ficar 60 dias em consulta pública (agosto e setembro de 2014). Para se ter ideia do interesse do setor na mudança dessas regras, foram recebidas 461 contribuições de 43 representantes da pesquisa clínica, entre cidadãos, cientistas, profissionais de saúde, entidades médicas e de saúde, empresas e órgãos públicos estaduais e federais.

A diferença nos prazos de aprovação dos medicamentos biológicos causou reações. “Apesar de reafirmar o compromisso da Agência na redução de prazos, não deveria haver distinção entre moléculas sintéticas e medicamentos biológicos”, diz Marcelo Vianna de Lima, diretor médico da Angem, companhia líder em biotecnologia no Brasil e internacionalmente. O setor espera que todos os estudos clínicos sejam aprovados dentro dos 90 dias de avaliação e aprovação. “Isso fará com que o Brasil assuma seu lugar de destaque no cenário internacional”, diz Vianna de Lima.