10/02/2015 - 11:19
Numa das cenas mais perturbadoras do filme “Sniper Americano” o franco-atirador Chris Kyle está no telhado de uma casa em Bagdá, no Iraque, quando observa uma mulher e uma criança caminhando em direção a um grupo da Navy Seals, unidade de elite da Marinha dos Estados Unidos. Ela pode ser apenas uma mãe que passeia com o filho – ou uma terrorista prestes a entrar em ação. Kyle precisa decidir, em questão de segundos, se vai disparar o rifle Winchester Magnum.
NA MIRA
Bradley Cooper foi indicado ao Oscar de melhor ator pela interpretação
de Chris Kyle, mas as acusações que falam até em propaganda nazista
devem intimidar a Academia. Assim, “Sniper Americano”, com estreia no
Brasil prevista para o dia 19 deste mês, pode ficar fora do Oscar
O que ele faz (o desfecho não será anunciado aqui, para não estragar a surpresa do filme) dá novo sentido à sua própria trajetória. Dirigido por Clint Eastwood, o longa é inspirado na vida real do atirador mais letal da história militar dos Estados Unidos. Na autobiografia que inspirou o filme, Kyle alega ter matado 255 pessoas nas quatro incursões que fez no Iraque entre 2003 e 2009, mas oficialmente são atribuídos a ele 160 extermínios. Lançado há um mês nos Estados Unidos (no Brasil a estreia está prevista para 19 de fevereiro) e com seis indicações ao Oscar (inclusive melhor filme e ator para Bradley Cooper, que interpreta Kyle), “Sniper” suscitou ferozes debates. Afinal, Chris Kyle é herói ou assassino? Embora em determinados momentos possa parecer moralmente ambíguo, o filme mais controverso da 87ª edição do Oscar é, no fundo, uma homenagem de Eastwood a Kyle. Por que uma das últimas lendas do cinema americano (Eastwood coleciona quatro Oscar, dois de melhor diretor e dois de melhor filme) escolheria a história de um soldado que se gabava de matar pessoas se não fosse a profunda simpatia que nutre pelo personagem?
SIMPATIA
Clint Eastwood, defensor da invasão ao Iraque, no set de filmagens com
Bradley Cooper, que faz o mais letal atirador da história dos EUA
O cineasta foi um defensor da invasão do Iraque, é filiado há 60 anos ao Partido Republicano e faz campanhas pelo livre porte de armas. O filme tem o mérito de escancarar os traumas psicológicos a que são submetidos os soldados de guerra, mas falha com uma visão exageradamente parcial: os americanos são dotados de virtudes e os rebeldes muçulmanos são apenas fanáticos que merecem ser aniquilados. “Eu odeio os selvagens malditos”, diz Kyle.
Fazer um filme de guerra não estava nos planos de Eastwood. Tanto é verdade que há menos cenas de tiroteio do que se poderia esperar de um longa que, afinal, trata da invasão do Iraque. Depois da polêmica em torno de seu trabalho, o diretor de “Menina de Ouro” disse que “Sniper” era para ser apenas o retrato mais fiel possível dos dramas vividos por Kyle. Mas acabou se tornando o centro de debates políticos sem que tivesse a pretensão de ser isso. “Com o filme, aprendemos que snipers são covardes”, afirmou o documentarista Michael Moore, do aclamado “Tiros em Columbine”. O comediante Seth Rogen, ator de comédias despretensiosas como “Ligeiramente Grávidos” e “A Entrevista”, declarou que “Sniper meio que lembra uma propaganda nazista”.
Desde a sua estreia, “Sniper” passou a ser cultuado pelos patriotas que louvam as ações belicistas americanas. Pior ainda: o filme parece ter alimentado hostilidades. Na semana passada, o Comitê Árabe-Americano Antidiscriminação revelou que seus membros foram alvo de “ameaças violentas” provavelmente causadas pela linguagem depreciativa que o filme usa em relação aos muçulmanos, na maioria das vezes retratados como “selvagens”. Seria o velho Eastwood, um gênio do cinema que atua, dirige, escreve, produz e até compõe música, um mero propagandista de guerra? Ou ele só contou uma boa história?
As polêmicas de “Sniper” podem afetar suas chances no Oscar. Segundo a imprensa americana, a Academia talvez não tenha interesse em chamar ainda mais a atenção para um filme que muita gente considera preconceituoso. Uma campanha a favor de “Sniper” vem sendo liderada pela viúva do atirador, Taya Kyle, que se declarou indignada com as críticas impiedosas contra a pontaria do ex- marido. “Ele era uma pessoa sensível, que amava sua família e seu país e que só estava fazendo o seu trabalho”, afirmou Taya. O destino trouxe má sorte para Kyle. O franco-atirador morreu em 2013, quando o filme estava em fase de pré-produção. Foi assassinado a tiros por um ex-soldado da guerra do Iraque que sofria de estresse pós-traumático.
Fotos: Divulgação