Na tarde da quarta-feira 4, estudantes da faculdade Mackenzie, em São Paulo, interceptavam motoristas que trafegavam pela avenida Pacaembu, na zona oeste. Em grupo e sob efeito de álcool, os jovens andavam seminus e pintados para fazer o chamado “pedágio”, quando o aluno é obrigado a pedir dinheiro aos motoristas. A cena condenável, degradante para quem via, parece benigna perto dos atos de extrema humilhação, violência e tortura que ocorrem a cada início de ano letivo nas universidades. A situação é tão grave que foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito de Trotes Universitários na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Em depoimento à CPI, no início do ano, uma aluna de medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas deu a medida do que os universitários consideram um rito de passagem: “Além de simular sexo oral com uma banana, os meninos tinham que mergulhar numa piscina com urina e fezes”, relatou a estudante de 21 anos, sobre um evento organizado pelos veteranos em uma chácara.

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EXCESSO
Álcool, humilhações e violência: mistura perigosa

Na semana passada, em Adamantina (SP), dois jovens foram vítimas de trotes criminosos. A estudante de pedagogia Nathália de Souza Santos, 17 anos, descia de um ônibus quando foi interceptada por veteranos que gritaram “bicho, pega o bicho” e jogaram um líquido nas pernas dela. Minutos depois ela sentiu um forte ardor e teve de procurar o pronto-socorro, onde teve as pernas enfaixadas. Nathália afirmou que os alunos misturaram ácido com o remédio Lepecid, usado para tratar feridas de animais, para acertá-la. O estudante de engenharia ambiental Caio Eduardo Castilho, 18 anos, também foi assediado pelos veteranos das Faculdades Adamantinenses Integradas ao descer do ônibus. “Eles despejaram um líquido em minha cabeça que escorreu para os olhos”, diz. No dia seguinte, um oftalmologista constatou que a lesão atingira 70% da córnea. O estudante corre o risco de perder a visão do olho esquerdo. A Polícia Civil de Adamantina identificou pelo menos sete suspeitos de provocar as queimaduras, que serão chamados a depor. Em São Paulo, na segunda-feira 2, o calouro de engenharia química Lucas Alves Dias, 18 anos, da faculdade Oswaldo Cruz, foi obrigado a beber quando chegava para o primeiro dia de aula e acabou no hospital, com hematomas. Segundo o pai, Danilo Dantas, o jovem disse que poderiam cortar seu cabelo e pintá-lo, mas teria resistido ao álcool. Foi encontrado inconsciente pela família na Santa Casa da cidade, já na madrugada da terça-feira 3. O pai disse que Lucas não sabe se vai cursar a faculdade, que abriu uma sindicância sobre o caso. A polícia também instaurou um inquérito por lesão corporal.

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ATAQUE
Veteranos jogaram ácido nas pernas de Nathália

É preciso acabar com a barbárie dos trotes violentos e as faculdades não podem se eximir de suas responsabilidades. “Elas também devem ser punidas, porque adotam uma postura permissiva e políticas de segurança frágeis que funcionam apenas no momento da denúncia”, afirma Zilda Iocoi, coordenadora do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos. Autor do livro “Anatomia do Trote”, o professor Antônio Ribeiro de Almeida Júnior, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura (Esalq), diz que há uma cultura do abuso e da humilhação. “As empresas deveriam evitar contratar profissionais que participaram de trotes violentos na universidade”, diz ele. “A mesma postura será reproduzida no ambiente de trabalho.”

O diretor-geral da faculdade de Adamantina, Márcio Cardim, afirmou que foi a primeira vez que um trote violento ocorreu próximo à faculdade. Ele prometeu expulsar os responsáveis e defende a criação de um projeto de lei para proibir o trote no município. “É preciso coibi-lo porque ele é a porta de entrada para outras violações que ocorrem no ambiente acadêmico”, diz o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da CPI.

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Fotos: Isadora Brant/Folhapress;  


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