Não foram poucas as pessoas que atravessaram a madrugada diante da televisão no domingo 1º, para prestigiar o maior ídolo brasileiro dos esportes de luta na atualidade. Em uma jaula de oito lados cercada por grades, Anderson Silva, a grande atração do UFC 183, o maior evento de MMA do mundo, realizado em Las Vegas, bateu, esquivou-se e apanhou do seu rival, o americano Nick Diaz. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, a audiência da luta que marcou o retorno do atleta 399 dias depois de ter fraturado a perna esquerda foi espetacular para o horário – 15 pontos (ou um milhão de domicílios sintonizados) e 18 pontos (1,2 milhão), respectivamente. Silva venceu o combate e foi aclamado por sua capacidade de superação. Dois dias depois, porém, o mundo assistiu, surpreso, à divulgação da notícia de que o brasileiro fora flagrado no exame antidoping. O fato deve reverter a vitória do brasileiro para luta “sem resultado”. Como se encurralado nas cordas estivesse, o atleta iniciou um embate jurídico para contestar o resultado e não perder a credibilidade que o tornou o maior lutador de MMA da história. Mas é o UFC, à margem das regras do esporte, quem sai mais arranhado desse episódio.

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SHOW
Nick Diaz e Anderson Silva, na luta que deixou milhões de
espectadores grudados na TV. Abaixo, o todo-poderoso dono
do UFC, Dana White: à margem das regras do esporte

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O exame que acusou no brasileiro a presença de drostanolona, um tipo de anabolizante, e androsterona, uma testosterona endógena, foi realizado 22 dias antes da luta entre Silva e Diaz e divulgado dois dias depois dela. As perguntas que se instalaram são: por que a demora na conclusão do resultado do teste? E por que a divulgação poucos dias depois do combate? Há a possibilidade de que os organizadores já soubessem do doping e tenham segurado a informação para que o tão lucrativo confronto não fosse cancelado e causasse prejuízo aos donos do evento, os irmãos Frank e Lorenzo Ferrita e Dana White. Somente o público pagante rendeu R$ 12,3 milhões. Mas é pouco provável que essa suposta complacência consiga ser provada. Após a enxurrada de questionamentos sobre o procedimento de análises e divulgação do material coletado de Silva, a Comissão Atlética de Nevada (NSAC), órgão do governo que regulou o controle antidoping dessa luta, achou por bem assumir parte da culpa. “Eu deveria ter ligado para o laboratório e checado o andamento dos exames”, disse o diretor executivo Bob Benett. “Infelizmente, nós estávamos ocupados. Foram seis eventos em 30 dias.”

Entidade privada, o UFC não segue o protocolo da Agência Mundial Antidoping (Wada), como os esportes olímpicos. O futebol americano e o beisebol, duas das modalidades mais populares nos Estados Unidos, também não seguem essas regras. Como a luta do brasileiro foi realizada em Las Vegas, coube a um órgão do governo, a Comissão Atlética de Nevada (NSAC), regular o controle antidoping. Ocorreria da mesma forma com outra comissão, se o evento fosse em outro Estado. “A Comissão Atlética de Nevada tinha os testes de Silva antes da luta e o deixou lutar? Estou confuso”, questionou, via Twitter, o lutador americano do UFC Cody Gibson.

O brasileiro foi submetido a dois testes surpresa. A análise ficou a cargo do Laboratório de Pesquisa de Medicina Esportiva e Exames, de Utah. De acordo com o ex-lutador e comentarista de MMA do canal Combate, da Globosat, Carlão Barreto, é o UFC quem financia os exames feitos fora da competição. “Essa lacuna entre a data da coleta do material e a divulgação dele joga contra a imagem da comissão e, por tabela, do MMA”, diz ele.

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Se o MMA fosse regulado por essa agência, qualquer atleta flagrado com anabolizantes poderia ser banido do esporte por até oito anos. No UFC, se a culpa de Silva for confirmada após os esclarecimentos que dará à NSAC, na terça-feira 17, sua pena pode ser de até nove meses. “Fica evidente a importância do que representa o ‘show’ e o show nunca pode parar, não é mesmo? Precisamos discutir se o MMA pode ser considerado esporte”, afirma Alexandre Velly Nunes, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que integrou grupos de controle de doping em quatro olimpíadas. O código mundial antidoping é reconhecido pela Unesco, o que implica que todos os países signatários deveriam segui-lo. “Se os padrões internacionais não são utilizados, a modalidade fica sob suspeita.”

Em 2014, Georges Saint Pierre, eleito por três vezes o maior atleta canadense do ano por sua performance no UFC, considerado o melhor meio-médio da história, revelou ter se afastado das lutas por discordar da política antidoping do evento. “Sou atleta e sei o que acontece. Infelizmente, algumas pessoas, talvez por medo de perder dinheiro, não queiram mudar nada. Como ficaria a imagem do esporte se você fosse obrigado a cancelar lutas porque o atleta testou positivo?” Anderson Silva nega ter usado as substâncias apontadas no teste e pediu que uma contraprova fosse feita em outro laboratório, o que foi negado pela Comissão de Nevada. Resta saber se só a imagem do UFC sairá manchada dessa história.

Foto: Jeff Bottari/Getty Image 


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