A Polícia Federal deflagrou na madrugada da quinta-feira 5 mais uma etapa da Operação Lava Jato. Ela foi batizada de My Way. Seguindo rastros obtidos com a delação premiada do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, 200 agentes cumpriram 62 mandados em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia e em Santa Catarina. Na ação da semana passada – a nona desencadeada desde março –, pela primeira vez uma subsidiária da Petrobras, a BR Distribuidora, entrou no foco dos investigadores. Até a oitava fase, apenas as diretorias de serviços, internacional e abastecimento da estatal concentravam as denúncias. A maior novidade, no entanto, está no alcance político do trabalho policial. Agora, a PF aponta as suspeitas para o tesoureiro do PT, João Vaccari. O dirigente partidário foi levado para prestar depoimento e sua casa foi vasculhada durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

01.jpg

As declarações de Barusco reforçam os indícios de que Vaccari ocupa lugar de destaque na rede criminosa instalada dentro e em torno da Petrobras. Para a PF, ele foi guindado de mero tesoureiro para a condição de operador do esquema. Na última semana, reportagem de ISTOÉ já havia mostrado as estreitas ligações do tesoureiro do PT com a empreiteira Schahin, uma das empresas investigadas pela Lava Jato mais próximas do partido. Surgem “as digitais do tesoureiro” na Lava Jato, estampou a matéria. A partir das informações divulgadas na Operação May Way, sabe-se agora que, de 2003 a 2013, o tesoureiro do PT recebeu entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões em propina na intermediação de 90 contratos superfaturados da companhia com empresas investigadas pela Lava Jato. As revelações que comprometem ainda mais Vaccari foram feitas por Pedro Barusco. “Houve pagamento de propinas em favor do declarante (Barusco) e de Renato Duque, bem como em favor de João Vaccari Neto, representando o Partido dos Trabalhadores”, diz trecho do documento prestado à PF. Renato Duque, a quem Barusco era subordinado, ocupou o cargo de diretor de serviços da Petrobras até 2012.

Em planilhas de pagamentos apreendidas, o tesoureiro do PT é identificado como “Moch”, por estar sempre carregando uma mochila. O ex-gerente calculou o montante de US$ 200 milhões para o PT levando em conta a parcela que ele e Duque receberam nas negociatas: US$ 50 milhões. Na regra de divisão da quadrilha, o PT era o que mais recebia. “Dois terços para João Vaccari, um terço para a Casa 1 e um terço para a Casa 2”, afirma o delator. “Casa 1” era o termo usado para as propinas angariadas no âmbito da diretoria de serviços da companhia e “Casa 2” se referia à Sete Brasil, empresa criada com apoio da Petrobras para produzir sondas de exploração do pré-sal. O próximo passo da Polícia Federal é tentar descobrir onde esses US$ 200 milhões foram parar. Dados de 20 contas no exterior foram entregues à força-tarefa da Lava Jato. Só na negociação com sócios do estaleiro Kepell Fels, Vaccari teria recebido US$ 4,5 milhões. Algumas vezes, a propina era paga em jantares em hotéis de luxo do Rio de Janeiro e de São Paulo.

IEpag38a40_Vaccari-2.jpg

O depoimento de Barusco foi feito em novembro. Antes de colocar as diretorias da Petrobras chefiadas pelo PT no centro do escândalo, a força-tarefa se dedicou ao cartel formado pelas empreiteiras. Os detalhes da rede de corrupção fornecidos pelo ex-gerente retratam como a legenda transformou a indicação de Renato Duque em uma mina de recursos ilícitos. Por ter foco no ex-diretor, a operação da semana passada ganhou a alcunha de “My Way”, canção de Frank Sinatra usada por Barusco quando queria se referir discretamente ao chefe. Segundo o ex-gerente, o então diretor de serviços não precisava nem mesmo cobrar o suborno, pois a propina “fazia parte da relação” com os empreiteiros. Duque ganhou, no início de dezembro, habeas corpus do STF, por isso não teve mandado de prisão decretado, apesar das acusações. Na última semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, voltou a defender a prisão do ex-diretor.

A atuação de Duque como arrecadador de recursos com origem ilícita para as campanhas do PT foi detalhada por Barusco para os integrantes da força-tarefa. O ex-gerente narrou um episódio em que o ex-diretor se encontrou com Júlio Faerman, representante da empresa holandesa SBM, para pedir doação de US$ 300 mil para a campanha do partido em 2010. Conforme revelou ISTOÉ na edição de 21 de novembro do ano passado, uma das linhas de investigação da Polícia Federal aponta para a possibilidade de que recursos provenientes de contratos com preços superfaturados tenham sido repassados como doações eleitorais legais para quatro partidos da base parlamentar do governo: PT, PMDB, PP e PTB. A força-tarefa, agora, tenta desvendar a estratégia de dissolver a propina em doações autorizadas pela legislação, o caixa 1.

Acossados pela May Way, o PT e o advogado de Vaccari divulgaram nota em que fazem a defesa da lisura da arrecadação do partido. “O PT não tem caixa 2, nem conta no exterior, não recebe doações em dinheiro e somente recebe contribuições legais ao partido”, afirma o texto. A situação para o partido, no entanto, começa a se complicar. De tão assustado, Vaccari nem sequer abriu o portão quando os policiais cumpriram mandado de busca na manhã da quinta-feira 5. Os agentes tiveram que pular o muro para entrar na casa do tesoureiro, apreender documentos e conduzir o petista para prestar depoimento. O presidente do PT, Rui Falcão, admitiu a interlocutores que o quadro político “é grave”.  

Foto: Felipe Rau/Estadão; Reprodução