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Rafael Lusvargui, em foto tirada durante a batalha pela cidade de Dubaltseva, no último fim de semana

No último fim de semana, o ex-policial militar paulista Rafael Lusvargui participou do sangrento cerco à pequena cidade de Dubaltseva, na província de Donetsk, no Leste da Ucrânia. A bordo de um caminhão russo equipado com lançadores de mísseis, Lusvargui ajudou a bombardear a cidade de nove mil habitantes nesta região de fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Nas ruínas de Dubaltseva estão unidades do Exército Ucraniano, que resistem à ofensiva das forças separatistas. “É um confronto duro, tomamos uma trincheira em que os ucranianos lutaram até o último homem”, conta ele, que afirma ter assumido o posto de primeiro-sargento.

Rafael se alistou como voluntário no Exército Separatista do Leste da Ucrânia em setembro de 2014, logo após ter passado 45 dias na penitenciária de Tremembé (SP). Ele havia sido preso junto com o estudante de Jornalismo da USP Fábio Hideki durante uma manifestação contra a Copa do Mundo, na Avenida Paulista, em julho. Na época, ele e Hideki foram acusados de serem Black Blocs e estarem portando explosivos. Os dois foram soltos pela Justiça após a perícia da polícia paulista confirmar que eles carregavam apenas embalagens vazias de um achocolatado e um iogurte. Dias antes, na abertura do Mundial, Rafael havia sido detido depois de se postar diante do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Foi alvejado por vários tiros de borracha, mas resistiu e só foi contido por um grupo de ao menos cinco policiais.

Com 30 anos de idade, Rafael acumula uma série de experiências pouco usuais para um jovem de classe média do interior de São Paulo. Foi soldado da Legião Estrangeira por três anos, policial militar em São Paulo, oficial da Polícia Militar do Pará e tentou, de forma frustrada, se alistar no Exército Russo. Rafael parece tem uma relação quase obsessiva com a Rússia. “Acompanho tudo ligado à Rússia desde criança”, conta ele, que se classifica como de esquerda e stanilista. O ex-PM viveu na Rússia por três anos e aprendeu o idioma. Rafael pretendia ficar no país, mas desistiu após não ter sido aceito no Exército. De volta ao Brasil, ele passou toda a primeira metade de 2014 como professor de inglês e realizou um dos seus sonhos: conhecer o ex-governador Luiz Antônio Fleury. “Um verdadeiro nacionalista”, em suas palavras.

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 O ex-policial foi preso após enfrentar o Batalhão de Choque da PM no dia da abertura da Copa do Mundo, em São Paulo

Durante seus quatro meses junto ao Exército Separatista no Leste da Ucrânia, Rafael afirma ter participado de inúmeros combates e atuado diretamente da morte de ao menos quatro soldados ucranianos. Nesta semana, durante a folga de um dia que teve, Rafael respondeu, por email, às perguntas de IstoÉ sobre seu dia-a-dia na frente de batalha de uma guerra que ele diz travar em respeito a seus antepassados. “Luto pela Grande e Sagrada Mãe Rússia, terra dos meus antepassados”, disse ele, pouco antes de voltar à batalha por Dubaltseva.

Istoé – Quando você chegou ao Leste da Ucrânia?
Rafael Lusvarghi –
Estou na Novorossiya desde 20 de Setembro de 2014.

Istoé – Por que você decidiu se alistar como voluntário no exército que defende a independência dessa região da Ucrânia?
Lusvarghi –
Por uma razão muito simples: luto aqui exclusivamente pela Grande e Sagrada Mãe Rússia, a terra dos meus ancestrais, pois o sangue que corre na minha veia é o mesmo do povo daqui. Politicamente sou totalmente contra o liberalismo, a política atual da União Europeia e dos EUA. Mas minha luta, acima de tudo, é pela independência do povo russo e pela união desse povo sob um só país e uma só liderança.

Istoé – Qual sua função dentro do exército?
Lusvarghi –
Atualmente sou artilheiro, comandante de carro de combate BM-21, lança mísseis de 122 mm.

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Lusvargui diante de um lança mísseis semelhante o que ele diz  comandar 

Istoé – Há uma forte ofensiva dos separatistas neste momento. Como estão sendo esses dias para você?
Lusvarghi –
Corridos. Minhas funções como sargento me ocupam muito, tanto no front, como burocraticamente. Tenho que prestar contas não só do que eu faço, mas de toda minha unidade.

Istoé – Você está participando ativamente dos combates nas frentes de batalha?
Lusvarghi –
Já participei de incontáveis combates. Estive sob fogo inimigo de artilharia, infantaria e de canhões de curta distância. Fui ferido levemente duas vezes, uma em duelo de artilharia, em que fiquei ferido nas costas, e outra em um ataque surpresa a um ponto de controle ucraniano, em que machuquei minha mão esquerda. Por uma questão de falta de tempo, por ora não entro em detalhes. Mas será um prazer entrar em detalhes dentro de um mês, quando está previsto que receberei condecoração por meu desempenho em combate.

Istoé – Você chegou a entrar em conflito com algum inimigo diretamente? Entrou em confronto direto com algum soldado ucraniano?
Lusvarghi –
Sim, mas não tenho autorização ainda para falar sobre isso. O que posso dizer é que, durante esses 42 dias em que servi diretamente no front, eu fui responsável direto pela morte de quatro soldados ucranianos. Na ofensiva em que estamos atuando agora, nesta última semana, tomamos uma trincheira na qual todos eles lutaram até o ultimo homem. Os ucranianos são bons soldados, determinados. Eu os respeito por sua coragem e disciplina.

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O combatente brasileiro junto com outros soldados do exército separatista 

Istoé – Em algum momento você se viu em uma situação de perigo em que imaginou que poderia não sair vivo?
Lusvarghi –
Sim, no último combate de que participei. Me voluntariei pra resgatar dois feridos no front, sob fogo de artilharia inimiga e durante uma retirada. Mas deixar dois amigos, ainda mais íntimos, como no caso, feridos, pra trás… simplesmente não poderia viver com isso depois. O medo do peso na consciência e o medo da vergonha foram maiores que o medo pela própria vida. Como estou falando sobre isso agora, está claro que tudo saiu bem para os três envolvidos. Acontece que apenas um deles estava ferido, enquanto o segundo tomava conta dele, e nesse meio tempo eu fui capaz de buscar ajuda de um BMP (carro blindado de transporte pessoal).

Istoé – Qual é a sua rotina? De quanto em quanto tempo você vai para o front?
Lusvarghi –
Bom, nos quase cinco meses em que estou aqui, não é possível falar em rotina. Em setembro não fui ao front nenhuma vez, fiquei como instrutor na unidade Prizrak. Ainda na Prizrak, fiquei as três primeiras semanas de outubro em uma unidade de comando de apoio e reconhecimento, realizando missões de sabotagem e passando alvo pra artilharia. No fim de outubro fui transferido para uma unidade Cossaca, Grande Exército do Don, unidade Paltinik, de artilharia, onde me encontro agora novamente. Na época fazíamos turnos de dois dias no front direto e um na base. Basicamente, era plantão de artilheiro, quando as unidades ucranianas abriam fogo, nós triangulávamos sua posição e respondíamos com fogo. Em 30 de novembro pedi transferência para a unidade especial de reconhecimento de Babay. Lá foram 42 dias diretos no front, sem qualquer contato com o mundo exterior. Entre missões de reconhecimento para passar alvos para a artilharia, fizemos vários ataques de guerrilha em posições avançadas do exército ucraniano. Em 9 de janeiro de 2015, fui promovido a старший сержант/Starshi Sergant – (Primeiro Sargento, no Brasil) e convidado a retornar a artilharia de Paltinik como comandante de Grad, Maquina de Guerra lança mísseis BM-21.


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 Lusvargui se diz um amante da Rússia e de toda a cultura eslava, região, segundo ele, de onde vieram seus antepassados

Istoé – Em algumas fotos é possível ver que você escreve mensagens nas bombas que serão disparadas contra os ucranianos. O que são essas mensagens e o que elas significam para você?
Lusvarghi –
Bom, na maioria as mensagens são dedicatórias a pessoas por quem tenho grande consideração no Brasil e que me apoiam no que faço aqui. Também são um momento de descontração e sátira, com mensagens como ”tenha um bom dia” ou ”lembranças do Brasil”.

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 O brasileiro gosta de escrever mensagens em português nos projéteis que serão lançados contra os soldados ucranianos

Istoé – Como está sendo enfrentar o inverno? Quais as condições de alimentação e as acomodações?
Lusvarghi –
Já foram pelo menos três vezes em que tivemos que nos virar quando não tínhamos alimentos. Nas três vezes comemos cachorros. Normalmente não há problemas quanto à alimentação e armamentos, mas quando se esta na linha de frente simplesmente se está entregue à boa vontade dos deuses. Ficamos ou em trincheiras cavadas por nós mesmos ou em casas cedidas pela população local, que tem muito boa vontade em nos ajudar. Quando estamos no turno de descanso, dormimos em caserna (barracas).

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De acordo com o combatente brasileiro, a rotina divide-se entre dias dormindo em trincheiras na frente de batalha e raros momentos de folga

 

Istoé – Existem outros voluntários estrangeiros lutando com você?
Lusvarghi –
Sim, franceses, sérvios, colombianos, espanhóis, italianos, poloneses, e na minha unidade, também há um macedônio. Há mais dois brasileiros lutando conosco. Um deles, infelizmente, está hospitalizado em Donetsk após ter sido ferido em batalha.

Istoé – O que um soldado na frente de batalha no Leste da Ucrânia faz nos momentos de folga?
Lusvarghi –
Nos momentos de folga, em primeiro lugar, limpamos as armas, roupas e cuidamos de nós mesmos. Como bom brazuca, que quem quer consegue, eu também arrumo tempo, para, digamos, confraternizar com a população local. Afinal, nós homens, ainda mais cercados dessas lindas russas, temos necessidades, não é mesmo? Então, quando tenho tempo, xaveco as meninas aqui. Além, claro, de acalmar minha família e amigos que constantemente querem noticias minhas.

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 “Como bom brazuca, uso meu tempo livre para xavecar as lindas russas que tem por aqui”

Istoé – Como seus colegas soldados o recebem quando descobrem que você é brasileiro? Qual a reação deles?
Lusvarghi –
Os russos são um povo tão ou mais curioso que o brasileiro, e nos adoram. Perguntam de futebol, no que eu os desaponto, Carnaval, e nossa história. Tanto os russos quanto os ucranianos nos recebem bem e se interessam por nós. Percebo isso no contato que tenho com os prisioneiros ucranianos que temos feito. Em resumo, os russos gostam muito de brasileiros, e adoram saber que o Brasil, além de honrar seus acordos com o BRICS, também tem cidadãos que estão prontos a dar a vida pela amizade russo-brasileira.

Istoé – Você fala russo. Como aprendeu a língua, qual sua ligação com a Rússia?
Lusvarghi –
Além de também descender de povos do Leste, meu interesse vem de infância, por tudo que é relacionado à Rússia, história, cultura, a mentalidade do povo. Servindo na Legião Estrangeira , tive mais contato ainda com eles. É grande o numero de russos na Legião. De 2011 até o começo de 2013 estudei e trabalhei na Rússia. Daí minha ligação e como aprendi o Idioma.

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Rafael diz que os russos e ucranianos ficam curiosos sobre futebol e Carnaval quando descobrem que ele é brasileiro

Istoé – Por que você acredita que essa região da Ucrânia tem o direito de se separar e se tornar independente?
Lusvarghi –
Por um motivo histórico. Vou tentar resumir. Há muitos séculos, o Império Russo liberou esta região, que já tinha pertencido a Kiev-Rus (Rússia) de um dos últimos Khanatos Mongóis. Essa região, em torno de 1600, já se chamou então Novorossiya, que é como a chamamos hoje. Durante os tempos da União Soviética, foram passadas ao controle da então recém criada Ucrânia as repúblicas do Donbass (Novorossiya) e da Crimeia. Mas aqui sempre viveu e vive apenas o povo russo, e de língua russa. Durante os acontecimentos recentes da Ucrânia, eles decidiram que não queriam estar sob o jugo da Junta de Kiev, e declaram sua independência. Exatamente como fez o Brasil em 1821, e os EUA antes e Kosovo em 2008. Segundo as leis internacionais, qualquer povo tem o direito de autodeterminação, mesmo se for ao encontro das leis do governo central ao qual serve. No caso de Kosovo, o país foi imediatamente apoiado pelas potências do Oeste. Mas no nosso caso, por nossa ligação com a Rússia, acredito, nós não só não fomos apoiados, como abertamente combatidos.


Istoé – Os EUA estão afirmando que irão armar e treinar os soldados ucranianos. Como você vê a posição americana neste conflito?
Lusvarghi –
Mais inimigos para combatermos. É o funeral deles, eles que se preparem. A vitória e os deuses estão claramente do nosso lado. Russos nunca se entregam, russos nunca desistem. Até o fim, a qualquer preço.

Istoé – Você mantém comunicação com seus familiares no Brasil? Como sua mãe tem reagido às notícias que recebe daí?
Lusvarghi –
Tenho mantido comunicações, sim. Minha mãe já se acostumou com o filho que tem. Ela, gostando tanto de história quanto eu, me disse: ”Moleque, volte pra casa com esse escudo, ou sobre ele”.

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 Segundo o brasileiro, em seis meses ele foi promovido a um posto equivalente a primeiro-sargento no Exército Brasileiro 

Istoé – Tem planos de voltar ao Brasil?
Lusvarghi –
Só depois da guerra, e dependendo das condições. Com certeza para visitar minha família e amigos, mas por ora simplesmente não sei e não penso em nada que não seja meu serviço.

Istoé – Nunca teve medo de morrer?
Lusvarghi –
Não. Na minha religião, o odinismo/asatru (religião pagã nórdica), se morrer em combate irei para Valhalla. Em poucas palavras, Valhalla é o melhor dos paraísos disponíveis ao guerreiro honrado e corajoso.

 

Assista a uma reportagem da televissão russa em que Rafael Lusvargui é entrevistado e filmado em ação na frente de batalha

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