Se cigarro não fosse uma delícia, ninguém fumava. Todos estão carecas de saber que cigarro faz mal à saúde. Mas fumante que se preza é como torcedor de time pequeno: vive com o cigarro nos lábios e sorriso de orelha a orelha, mesmo perdendo todas as batalhas contra o vício. A velha piada não poderia estar mais certa: “Parar de fumar é fácil. Eu mesmo já parei centenas de vezes.” Voltar a fumar, no entanto, é ainda mais fácil, além de ser muito, mas muito mais gratificante. É essa a teoria do advogado Paulo Lara, 53 anos, autor do livro Fumo sim, e daí?, lançado em dezembro pela editora Letra Livre. “Já devo ter parado de fumar umas trinta ou quarenta vezes. Mas sempre regressei ao ponto de partida. Botou um uísque no copo, o cigarro pula do bolso e vai direto para a outra mão”, confessa. Lara é um ativista ao contrário. Enquanto uma legião politicamente correta invade as ruas e a mídia para praguejar contra os fumantes, ele esbraveja contra aqueles que dedicam a vida a atrapalhar sua mais deliciosa degustação. “A atividade desses chatos é um modismo importado dos Estados Unidos. Foram os ianques que começaram com essa idéia de que cigarro faz mal para o meio ambiente e inventaram os tais fumantes passivos”, revolta-se. No Brasil, como no resto do mundo, os ativistas transformaram o fumo em um hábito socialmente incorreto. “O que fazer em um desses prédios lindos onde é proibido fumar? Se eu fumo dois maços por dia, tenho de colocar um cigarro na boca a cada vinte minutos. Imagine se tiver de sair do prédio a toda hora.”

Milton Lara
Paulo Lara, autor do livro Fumo sim, e daí?, culpa os Estados Unidos pela onda antitabagista

Ninguém sai mais machucado após a leitura do livro de Lara do que o governo, tachado de hipócrita por continuar lucrando com a brincadeira e metendo a faca nos consumidores enquanto finge se preocupar com a saúde pública nacional. No Brasil, o maior exportador de tabaco do mundo, cerca de seis bilhões de reais pousam anualmente nos cofres da União graças à produção e ao consumo destes injustiçados cilindros de papel. Quase 75% do preço final de cada maço são alíquotas impostas pelo governo. A carga tributária no País só perde para a da Dinamarca (83%) e a do Reino Unido (77%). Todos esses dados apontados pelo autor só contribuem para explicitar o que Lara chama de hipocrisia federal. “O governo continua tratando os fumantes como culpados, e não como vítimas. Para se ter uma idéia, apenas na Câmara Municipal de São Paulo tramitam cerca de 80 projetos de lei e decretos tratando do assunto. Um mais estapafúrdio do que o outro”, rebela-se Paulo Lara. Na capital paulista, a fumaça já foi terminantemente banida dos shopping centers da cidade e de um sem-número de restaurantes. É de deixar qualquer fumante nervoso.

Alan Rodrigues
“Tenho medo da cara zangada que o José Serra faz quando fala de cigarro. Ele deve me odiar”
Nair Belo, atriz

Hollywood – Mas há quem não ligue a mínima para as regras estabelecidas. O publicitário Zezé Brandão, 50 anos, fuma mesmo onde não deve. “Quando estou em algum lugar onde é proibido, corro para o banheiro. Só não tenho coragem de fazer isso em avião”, confessa. A etiqueta também é ignorada. “Na casa de amigos, jamais peço permissão para fumar. Acendo o cigarro e pronto. O anfitrião acaba trazendo um cinzeiro”, diz. Brandão experimentou seu primeiro cigarro sem filtro aos 17, quando Hollywood alimentava o mito pró-tabaco. Cigarro era prova de status e sucesso entre as garotas. Os grandes mocinhos, como Humphrey Bogart e James Dean, desfilavam seus cigarros e arrematavam as mais belas mulheres. Hoje, o publicitário consome três maços e meio por dia e coleciona mais de 30 cinzeiros em sua casa. “Vou jogando as cinzas por onde passo. Por isso, tem cinzeiro em todos os cantos”, diz.

A atriz Nair Belo, 69 anos, também culpa o cinema. Ela experimentou o primeiro cigarro aos 12, escondida no banheiro de casa com duas primas. “Eu era fascinada pelo charme de atrizes como Rita Hayworth (capa do livro de Lara) e Marlene Dietrich, que abusavam da sensualidade entre uma baforada e outra”, lembra. Quando descobriu que todo o glamour podia causar sequelas, cogitou abandonar os inseparáveis cilindros. “Eu preferia não fumar. Já tentei parar, mas nunca consegui”, admite Nair. Hoje, ela ainda liquida um maço por dia e recomenda aos jovens não experimentar. “A primeira tragada foi suficiente para que eu nunca mais parasse. Dizem que eu não tenho vergonha na cara e nem medo de morrer. Vai ver que é verdade”, reconhece. “Eu tenho medo é da cara zangada que o José Serra faz quando fala de cigarro. Ele deve me odiar”, brinca.

Como Serra, muitos militantes do antitabagismo costumam franzir o senho ao menor sinal de fumaça. O médico Jurandir Duarte considera o fumante um transgressor, apesar de conhecer bem o poder da nicotina e do alcatrão sobre o organismo dos usuários. Quase todo dia, ele transita nos corredores do Hospital das Clínicas de São Paulo com um broche antitabagista na lapela. Ativista por hobby, Jurandir combate também os inveterados fumantes, principalmente os mal-educados que insistem em soltar suas baforadas no restaurante. “Procuro não ser agressivo, mas peço que apague o cigarro. Pelo menos enquanto eu estiver comendo”, diz. Jurandir também torce o nariz quando vê uma mãe fumando com o filho pequeno no colo. “Chego perto e tento alertá-la para o mau exemplo que está dando. As crianças são muito influenciadas pelos pais e pelos ídolos e reproduzem inclusive seus piores hábitos”, explica.