Aécio Neves, presidente da Câmara, defende que os políticos tomem a iniciativa de mudar as práticas atuais para não serem varridos pelo eleitor

Neto e herdeiro político de Tancredo Neves, o presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB-MG), 41 anos, acredita que a crise ética que atinge em cheio o Senado produzirá resultados positivos. “Não há mais complacência com desvios de conduta. A sociedade não compactua mais passivamente com condutas reprováveis. Ou tomamos a dianteira e fazemos as mudanças ou elas vão ser feitas à nossa revelia”, adverte em sua campanha pela aprovação de um pacote ético para acabar com a impunidade. Na avaliação de Aécio, não há mais espaço para políticos como Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho chegarem ao comando do Congresso. Aécio entende que são consistentes as denúncias contra o presidente licenciado do Senado e que Jader ainda não conseguiu apresentar uma defesa convincente. Em entrevista a ISTOÉ, ele responsabiliza o governo pelo risco de apagão e analisa a sucessão presidencial. Como bom mineiro, Aécio não define quem vai apoiar dentro do PSDB, mas aponta dois nomes com chances: o ministro da Saúde, José Serra, e o governador do Ceará, Tasso Jereissati. De olho no governo de Minas Gerais, mas também lembrado para a corrida ao Palácio do Planalto, Aécio avisa: “Tomei antídoto contra a mosca azul e reforço a dose quando é preciso.”

ISTOÉ

O líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), disse que seu pacote ético morreu no nascedouro. Isso é verdade?

Aécio Neves

 Não. As principais medidas do pacote vão ser aprovadas. Os parlamentares, sobretudo os mais experientes, compreendem que hoje nós temos uma oportunidade única: ou tomamos a ofensiva do processo de resgate da imagem do Legislativo ou vamos todos amanhã, nas urnas, pagar o preço da nossa omissão. Esse número enorme de denúncias está trazendo uma mudança profunda. A sociedade não compactua, não assiste mais passivamente a condutas reprováveis. Ou tomamos a dianteira e fazemos as mudanças ou elas vão ser feitas à nossa revelia. Por isso estaremos votando na Câmara nos próximos dias, em caráter final, o Código de Ética e Decoro, que define com clareza os limites da ação do parlamentar e sua relação com o poder público. E vamos votar o coração do pacote ético, que é o novo conceito de imunidade parlamentar. Eu e todos os outros líderes temos a responsabilidade de compreender que a imunidade é fundamental para o exercício da atividade parlamentar, mas ela existe para resguardar e preservar o exercício do mandato, não para acobertar práticas de delitos ou outros crimes.

ISTOÉ

O mandato não pode ser uma licença para roubar…

Aécio Neves

É isso. Eu vou iniciar a partir do próximo mês um ousado projeto de comunicação. Vou para a sociedade dizer o que estamos fazendo de positivo, como o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Nacional de Trânsito, que reduziu em 30% os acidentes nas estradas. A grande maioria dos parlamentares é de homens de bem. É uma minoria que utiliza a imunidade como instrumento para se proteger. Nós tivemos casos recentes, o Hildebrando (Pascoal) foi o mais notório, de pessoas que não podem conviver no nosso meio. E se houver outros casos, temos que identificá-los e puni-los com rapidez. Não me elegi presidente da Câmara para ilustrar o meu currículo, mas com propostas de fazer mudanças fundamentais para recuperar a credibilidade da Câmara.

ISTOÉ

E o caso dos deputados que fizeram leasings irregulares de carros, apresentaram notas frias de restaurantes…

Aécio Neves

Vão ser punidos com extremo rigor. Mas esses recursos de apoio ao exercício parlamentar não são uma jabuticaba, uma criação nossa, existem em todos os parlamentos avançados do mundo. Existem para que o parlamentar não precise buscar na iniciativa privada o apoio para o exercício do seu mandato e o acabe exercendo em favor de um financiador privado. Temos sido absolutamente rigorosos no controle desses gastos. Se um ou outro acha que pode ser mais esperto do que a maioria vai pagar um preço por isso.

ISTOÉ

Outra distorção que gera desconfiança são as campanhas eleitorais milionárias.

Aécio Neves

 Tem dois aspectos da reforma política que gostaria de resolver este ano. Primeiro, a fidelidade partidária, porque o abuso na troca de partidos é algo que compromete a ética na ação política. Segundo, o financiamento público de campanhas, pondo fim ao financiamento privado. A sociedade precisa compreender que o financiamento público não é uma despesa a mais, mas uma economia enorme que se vai ter lá na frente, porque vamos tirar do processo eleitoral aqueles que acabam sendo os grandes beneficiários. Se implementarmos essas duas medidas, vamos estar dando um passo enorme para a estabilidade do processo político brasileiro.

ISTOÉ

A Câmara está sofrendo algum respingo da crise do Senado?

Aécio Neves

Até agora não. Acompanhamos com preocupação o problema. Pessoalmente, torço para que tenha a duração mais curta possível, porque contamina não o funcionamento da Câmara, mas toda a sociedade. O que nós fizemos no primeiro semestre foi um esforço enorme para criar um cinturão de proteção na Câmara e impedir que a crise no Senado entrasse no Salão Verde da Câmara. E acho que conseguimos.

ISTOÉ

Nesse sentido, a crise do Senado é positiva?

Aécio Neves

Da crise, ficará algo positivo, se o Senado souber conduzi-la, com os instrumentos que tem hoje, de forma adequada. No Brasil que se está iniciando agora não haverá mais espaço para aqueles que não fazem distinção entre o que é público e o que é privado. Essa promiscuidade vai acabar. E estamos dando nossa contribuição.

ISTOÉ

 Se o sr. estivesse hoje na situação do Jader Barbalho, o que faria?

Aécio Neves

Fazer uma análise hipotética é muito difícil. É a mesma coisa se você me perguntar qual a sensação que eu teria se pulasse do vigésimo andar de um edifício e saísse batendo asas. Impossível, até pela minha vida, pela minha origem, pela minha formação. Eu não sou o juiz da situação do senador Jader, mas ele tem que ser julgado, e rapidamente, já que as denúncias aparecem com consistência.

ISTOÉ

Essa solução rápida seria a renúncia?

Aécio Neves

 Não posso usurpar uma autoridade que é do Senado, mas eles têm hoje um instrumento, que é o Conselho de Ética. Esse processo precisa ter um encaminhamento célere, com amplo direito de defesa, mas com uma decisão final. Não há espaço para nenhum tipo de conchavo nessa questão. A sociedade não aceita pizza.

ISTOÉ

 O povo já julgou o senador Jader?

Aécio Neves

Eu diria que está faltando uma resposta convincente do senador em relação às inúmeras denúncias que recaem sobre ele.

ISTOÉ

Depois de tudo isso, vai ser possível alguém assumir a presidência do Senado tendo problemas?

Aécio Neves

 Não. Isso serve para o Senado e para a Câmara. Não há mais complacência com desvios de conduta, seja de quem for. O que vai ficar disso tudo é algo positivo: intransigência para com atos delituosos ou condutas condenáveis.

ISTOÉ

Essa crise em torno do senador Jader, uma crise no PMDB, atrapalha a articulação da base governista?

Aécio Neves

Claro que sim. Essa crise tomou dimensões graves e desestruturou o comando do PMDB. Isso traz prejuízo na relação com o governo, até porque o senador Jader era o principal interlocutor do PMDB com o governo. É natural, na medida em que o senador precisa de tempo para se dedicar à sua defesa. Mas a questão da permanência ou não do PMDB na base governista hoje está nas mãos do partido. O governo não fecha as portas para o PMDB, mas respeitará a decisão que ele vier a tomar. O momento decisivo será agora em setembro, com a convenção nacional do partido.

ISTOÉ

O sr. tem recebido apoio para disputar a sucessão presidencial?

Aécio Neves

 Tenho recebido manifestações de parlamentares e de empresários. Mas, como sou lá de Minas Gerais, mantenho os dois pés no chão. Disse, quando assumi interinamente a Presidência, e repito: tomei antídoto contra a mosca azul e reforço a dose quando os elogios ficam muito grandes. O partido já tem nomes com condições de vencer as eleições. Meu projeto ainda passa por Minas. Como um observador atento da cena política brasileira, posso dizer que o candidato governista tem todas as condições de disputar o segundo turno e vencer as eleições. No momento em que formos pôr na balança os êxitos e os equívocos desse governo, os êxitos superarão os equívocos.

ISTOÉ

Quais são os equívocos?

Aécio Neves

 Sempre tive com o presidente da República uma relação de franqueza absoluta. Isso me permitiu discordar em profundidade do modelo de privatização do setor energético, que, a meu ver, foi um dos causadores da crise de hoje, por ter privilegiado a questão fiscal em detrimento dos investimentos na geração de energia. Tive atritos com os ministros que comandaram essa área. Essa é uma crise pela qual o governo deve se responsabilizar. Da mesma forma, deve ter também os méritos pelo encaminhamento emergencial que está dando a essa questão.

ISTOÉ

E os maiores êxitos?

Aécio Neves

 A estabilidade é a maior conquista, não só desse governo, mas da sociedade. É aí que acho que precisamos ter a capacidade de criar uma candidatura na qual a estabilidade seja a base, o pressuposto para a recuperação do crescimento. As pessoas vão ter de escolher alguém que seja intransigente na manutenção da política econômica, mas que demonstre a capacidade de ousar um pouco mais. Ousar, por exemplo, atacando a questão urbana, que é o mais grave problema do País hoje. Essa foi a nossa grande falha. A pobreza existe no Brasil, como existe em todo o mundo, e vai persistir por muito tempo. Mas a miséria, indutora da violência, da desagregação social, está sobretudo na periferia das grandes cidades. Não tivemos a capacidade de montar um grande plano que passasse pela questão da moradia e pelo drama da violência. Esse será o grande desafio do próximo governante.

ISTOÉ

O presidente Fernando Henrique deu a entender que, num eventual segundo turno entre Lula e Itamar Franco, votaria no Lula. E o sr.?
 

Aécio Neves

Esse cenário não vai ocorrer.

ISTOÉ

Qual é o cenário que vai ocorrer?

 

Aécio Neves

 O cenário mais provável hoje é que o Lula esteja no segundo turno das eleições contra um candidato da base governista – que vai significar um olhar no futuro, e não um olhar no retrovisor. Para nós do PSDB é muito importante ganhar a Presidência, mas o rodízio no poder tem de ser visto com absoluta naturalidade. Se não ganharmos a eleição, temos de nos preparar para a próxima. Para nós é também muito importante vencer as eleições no maior número possível de Estados.

ISTOÉ

Qual sua avaliação de uma candidatura do ministro Pedro Malan?

Aécio Neves

Acho que o Malan deve se filiar ao PSDB, para ser ou não candidato. Até para que não se filie a outro partido. Certamente ele terá mais dificuldades que alguém que tenha uma penetração maior nas bases partidárias, mas não pode ser descartado.

ISTOÉ

E quem tem essa penetração partidária maior? O ministro José Serra? O governador Tasso Jereissati?
 

Aécio Neves

 Esses dois são os que mais avançaram. Temos ainda outros que devem ser avaliados, como os ministros Paulo Renato e Pimenta da Veiga.

ISTOÉ

O sr. é um dos raros tucanos que Itamar Franco elogia…

Aécio Neves

 Sou de uma escola política onde quem briga são as idéias, não os homens. Tenho divergências políticas, conceituais e até doutrinárias com o governador Itamar Franco, mas não deixo de respeitá-lo como o homem público de bem que ele é. E não aceito nenhum tipo de patrulhamento.

ISTOÉ

E a candidatura Ciro Gomes?

Aécio Neves

 Queria que ele pudesse ter estado ao nosso lado. Com seu poder crítico, ele teria sido um instrumento importante dentro do partido. Mas ele tomou outro caminho e acho que sua candidatura terá imensas dificuldades porque falta a ele a consistência partidária, a estrutura para o enfrentamento de uma eleição.

ISTOÉ

Que papel o PSDB desempenhará no próximo governo?

Aécio Neves

Nenhum presidente eleito, seja quem for, governará sem conversar com o PSDB. Não falo nem em participação no governo, mas terá que haver um entendimento com o PSDB em nível congressual. O PSDB tem que estar preparado, inclusive, para exercer uma oposição responsável.

ISTOÉ

E num eventual governo de Itamar ou de Ciro?

Aécio Neves

 Não vamos nos oferecer para participar do governo, mas certamente ajudaremos. Modernidade é isso: romper com os interesses corporativos dos partidos, com os interesses eleitorais e cuidar do País. Termos a coragem de dizer: se um eventual governo do Itamar Franco, do Ciro Gomes ou do Lula apresentar propostas positivas, vamos ajudar a viabilizar.