Um acordo politicamente explosivo firmado entre o Brasil e os Estados Unidos começou a agitar o Congresso e a mobilizar os nacionalistas. O governo parece até que foi buscar inspiração na música Aluga-se, de Raul Seixas e Cláudio Roberto. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, e pelo ex-embaixador americano Anthony Harrington, estabelece que o Brasil ceda parte do Campo Espacial de Alcântara, no Maranhão, para uso exclusivo dos Estados Unidos. A localização de Alcântara facilita a entrada de um satélite em órbita e permite uma economia de 20% de combustível em relação ao campo americano de Cabo Canaveral. Uma cópia do acordo foi cedida a ISTOÉ por um militar da ativa. Ele proíbe os americanos de prestar “qualquer assistência aos representantes brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de veículos de lançamento, espaçonaves e/ou equipamentos afins”. O último item impressiona: estabelece que as obrigações das partes em relação aos principais itens “continuarão a ser aplicadas após a expiração ou término deste acordo”.

Além disso, o governo fica proibido de usar os recursos provenientes do aluguel da base no programa espacial brasileiro. Relator da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, Waldir Pires (PT-BA), que vai apresentar seu parecer na quarta-feira 15, adianta que o texto só será aprovado com mudanças: “Não é possível admitir que o País renuncie à sua capacidade de tomar decisões. Até representantes do governo querem renegociar o acordo.” As críticas ultrapassam a fronteira do Congresso. “Esse acordo é inaceitável porque afeta a soberania brasileira”, critica o brigadeiro Sérgio Ferolla, ministro do Supremo Tribunal Militar (STM). O brigadeiro considera inadmissível o País ser impedido de escolher como, onde e quando será aplicado o dinheiro do aluguel. Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação (Coppe) da UFRJ, acredita que o governo alugou a base para evitar seu sucateamento. “Nossa opção é entre o pior e o menos pior. O que os americanos vão pagar será irrisório”, critica Pinguelli. Segundo especialistas, o aluguel pode gerar receitas da ordem de US$ 30 milhões a US$ 40 milhões anuais. Alcântara hoje tem uma produtividade baixa: são lançados em média, anualmente, de três a quatro foguetes. O custo de manutenção é alto, em torno de R$ 10 milhões anuais.

Interesse estrangeiro – O economista Carlos Lessa, do Instituto de Economia da UFRJ, é taxativo: “Isso é mais perigoso para a soberania do que o acordo com o FMI.” O advogado Miguel Reale Jr. reforça: “A soberania brasileira não pode ser alugada.” O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, da Unicamp, endossa: “O Brasil está sendo tratado como nação periférica.” Pelo acordo, só pessoas autorizadas pelo governo americano controlarão o acesso, podendo fazer inspeções sem aviso prévio. O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, do Observatório Nacional, faz uma comparação: “Repete-se o que ocorreu no acordo nuclear com a Alemanha, em 1975, quando o governo se manteve alheio às críticas dos cientistas. Quinze anos depois o País teve de reconhecer que a tecnologia escolhida era antieconômica.” O brigadeiro Álvaro Dutra, que participou do programa espacial, também ataca: “O governo confirma sua coerência de privilegiar os interesses estrangeiros e depreciar os interesses nacionais.” Para o diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, coronel Amerino Raposo Filho, “o acordo é lesivo porque o Brasil cede a soberania em uma área do seu território”.

Mas na área militar há quem defenda o projeto. O brigadeiro Hugo Piva acredita que o acordo não ameaça a soberania porque envolve apenas a proteção de segredo tecnológico dos americanos. “Os especialistas terão condições de obter alguns dados importantes sobre tecnologia espacial”, ressalta. O brigadeiro Reginaldo dos Santos, do Alto Comando da Aeronáutica, observa que o Brasil pode romper o acordo quando considerar conveniente. Santos admite, no entanto, que está prevista a proibição de transferência de tecnologia ao Brasil. Mas as críticas não abatem os ânimos do presidente da Agência Espacial Brasileira, Luiz Gylvan Meira Filho: “O acordo será bom porque vai manter nosso pessoal técnico atualizado.”

Colaborou Liana Melo

 

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Aluga-se
(Raul Seixas e Cláudio Roberto)

A solução pro nosso povo eu vou dar
Negócio bom assim ninguém nunca viu
Tá tudo pronto aqui é só vir pegar
A solução é alugar o Brasil!

Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada
É tudo free, tá na hora
Agora é free, vamo embora
Dar lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá pra alugar

Os estrangeiros eu sei que eles vão gostá
Tem o Atlântico, tem vista pro mar
A Amazônia é o jardim do quintal
E o dólar deles paga o nosso mingau

Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada


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