Duas monumentais e inéditas pesquisas no campo da saúde pública ligaram a sirene de emergência no País. A primeira veio do Programa Conjunto das Nações Unidas HIV/Aids. A segunda foi realizada pelo IBGE e Ministério da Saúde, é dotada de uma abrangência jamais vista no Brasil e teve a sua publicação efetivada em todo o território nacional. Em ambas o diagnóstico é aflitivo. Há, entretanto, uma excelente notícia que nos chegou ainda nos últimos dias do ano passado. Trata-se de um primeiro e eficaz passo que está sendo dado na área da profilaxia, e não por iniciativa da comunidade médica, mas, isso sim, a partir de providências do Ministério Público e do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (compreende os Estados da região Sul). O remédio é amargo, mas faz bem aos indivíduos e à sociedade: tentar-se-á limitar em 2015, em todo o País, os horários em que emissoras de rádio e televisão poderão fazer propaganda de bebidas alcoólicas. Aquelas que contiverem mais de 0,5 grau de álcool (praticamente todas) só poderão ter seus anúncios veiculados entre nove horas da noite e seis horas da manhã. Mais: entre as nove e as 11 da noite só serão anunciadas em programas para maiores de 18 anos. Traz-se assim as bebidas de médio e baixo teor (vinho e cerveja, por exemplo) para o terreno das bebidas com pelo menos 13 graus Gay Lussac (todos os destilados). Por que tal medida é boa? Voltemos às duas pesquisas, e veremos.

O estudo da ONU é terrificante: enquanto em todo o mundo o índice de novos casos de infecção pelo HIV retrocedeu 28%, aqui ele aumentou na casa dos 11%, colocando o Brasil como o país com a maior taxa de contaminação na América Latina. Com artigo de minha autoria intitulado “A dose a mais de HIV”, essa seção já mostrou que a causa prevalente da proliferação do HIV está na tibieza das campanhas que abordam a necessidade do sexo seguro sem veicular a informação de que a ingestão de bebida alcoólica é o principal fator de esquecimento do uso de preservativo – tal esquecimento é fruto do déficit na capacidade de crítica e julgamento provocado pelo álcool, que interfere na rede neural, sobretudo nos neurotransmissores Gaba A e glutamato. Relevante é informar que 0,1 miligrama de álcool por mililitro de sangue aumenta em 5% o riso de sexo não seguro. Na semana passada ao lançar a campanha preventiva para o Carnaval, o Ministério da Saúde admitiu que 45% dos brasileiros não usam camisinha nas relações casuais.

A campanha, no entanto, é omissa quanto à bebida alcoólica. A segunda pesquisa impactante, feita pelo IBGE, vai direto ao ponto: quatro em cada dez brasileiros têm doença crônica, e entre elas estão diabetes, depressão, câncer e hipertensão, todas passíveis de serem causadas ou agravadas pela bebida. A cada quatro entrevistados, pelo menos um admite que dirige após ter bebido. E 50% começam a beber antes dos 17 anos. Em um país no qual a ocupação de leitos públicos psiquiátricos por alcoolistas chega a 80%, a Justiça fez o que o governo federal deveria ter feito há muito tempo – e ainda que a decisão seja reformada quando chegar à última instância de jurisdição, a largada dessa corrida pela vida é irreversível. O enrijecimento no horário de propaganda é intromissão na vida privada dos indivíduos? O argumento é anacrônico, e prova disso é que a quase tolerância zero ao tabagismo está funcionando: o número de fumantes despencou 25% entre 2008 e 2013, e ex-fumantes parabenizaram, na própria pesquisa, a legislação que os obrigou a apagar o cigarro. A lei seca no trânsito também é positiva e só irresponsáveis a ela se opõem. O Judiciário está fazendo a sua parte. Que em 2015 os legisladores tenham a coragem de seguir por esse caminho.

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ