Estimativa oficial não existe, mas houve época em que a maior reserva fossilífera do período Cretáceo (entre 140 e 65 milhões de anos atrás) perdia por ano cerca de 5 milhões de fósseis devido ao contrabando. Peixes, insetos e ossos de dinossauros com 110 milhões de anos são levados diariamente da reserva que ocupa nove mil quilômetros quadrados, na Chapada do Araripe, região sul do Ceará. Os números da ilegalidade são fornecidos pelos próprios “peixeiros”, homens que sobrevivem da extração e do comércio clandestino dos fósseis.

“Em Santana do Cariri (a 584 km de Fortaleza), entre 150 e 200 famílias vivem de fósseis. Quinze anos atrás, saíam 700 fósseis por semana daqui”, confirma Pedro Francisco da Silva, o “seu Pedro Peixeiro”, que pratica esse comércio ilegal há 35 anos. Ele reclama da vida. Desde que foi criado o Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), a atividade ficou arriscada, a Polícia Federal inibiu a ação dos “peixeiros” e parte dos compradores sumiu. Nos tempos áureos, uma família faturava R$ 5 mil por semana. “Hoje vivo de uma horta que cultivo”, afirma o “peixeiro”. Mas, sempre que aparece um comprador, seu Pedro firma negócio. Se for preciso, vai até Araripina, no lado pernambucano, buscar o produto. O valor depende do tamanho e da raridade. Insetos, jacarés ou peixes pré-históricos valem até R$ 1 mil. Fósseis mais comuns saem por R$ 40.

Os “peixeiros” vendem as pedras para atravessadores da região, que as transportam em caminhões até São Paulo. Dali, os fósseis seguem para os EUA e a Europa. “Há peças em museus de vários países europeus. Queremos solicitar ao Itamaraty o repatriamento desses fósseis”, diz o agente da Polícia Federal Cláudio Luz. Apenas 40% dos restos arqueológicos descobertos na Chapada do Araripe permanecem no Brasil. Quando não são “exportados”, muitas vezes eles são lançados ao lixo por pequenas mineradoras da região. Em novembro do ano passado, a Polícia Federal apreendeu 20 mil peixes, insetos e plantas fossilizados, já encaixotados e prontos para ser enviados à Alemanha. Apontado pela polícia como o responsável pelo carregamento, o alemão Michael Schwickert está foragido. Em sua casa, em Nova Olinda, vizinha a Santana do Cariri, a polícia encontrou uma revista alemã especializada em fósseis, a Fossilien, que anunciava “diversos mosquitos e moscas, além de vespas e abelhas embaixo de giz no Ceará, Brasil”.

Patrimônio – Para frear o roubo das riquezas subterrâneas, criou-se uma Frente Multidisciplinar em Defesa do Patrimônio Arqueológico do Ceará, que reúne bancos, museus, universidade e órgãos públicos. A idéia é convencer a população da importância do patrimônio histórico que inclui fósseis com fibras musculares preservadas, que permitem definir a aparência de um dinossauro avô do tiranossauro rex. Essa frente procura incentivar a criação de museus, para aumentar o fluxo turístico, desenvolver o artesanato e conscientizar a população nas escolas. Um dos projetos é aproveitar os artesãos locais para produzir réplicas esculpidas e criar um pólo turístico na região.

Esse sonho é fruto de conversas com o pessoal da Fundação Francisco de Lima Botelho, no município de Jardim. O presidente da fundação, José Álvares Coutinho Júnior, organiza agora o Museu de Ciência e História Natural Barra do Jardim. “Infelizmente, muita coisa daqui não é reconhecida, não é catalogada. Queremos levar a oportunidade de cada lugar ter o seu museu”, afirma Coutinho Júnior, que tenta compreender o comércio ilegal sob a ótica dos “peixeiros”. “Eles são vítimas de um esquema internacional de tráfico. Há mais de 30 anos que os fósseis são explorados e contrabandeados. A polícia sabe e tenta coibir, mas a pobreza e o dinheiro fácil falam mais alto”, pondera Coutinho Júnior.