Carlos Magno
Saúde e cidadania são temas sugeridos por Schiavo

Filmes, seriados e desenhos animados exibidos na televisão são acusados de estimular a violência entre os jovens por causa do excesso de cenas de brigas e assassinatos. Novelas são criticadas por abusar do erotismo e incentivar a sexualidade precoce, além de exagerar nas situações de problemas de saúde. Mas, na contracorrente, autores como Manoel Carlos, Benedito Ruy Barbosa e Glória Perez, entre outros, estimulam o discurso politicamente correto ao incluir em seus textos mensagens com preocupações sociais diversas. A iniciativa ganha cada vez mais força na televisão brasileira. Hoje, nos diálogos de novelas da Rede Globo cabem desde orientações sobre o uso da camisinha, os riscos do fumo e outras drogas e a discussão sobre a ação dos sem-terra (caso de Rei do gado) até campanhas em favor do Ano Internacional do Voluntariado e simulações de aulas sobre o papel do Congresso Nacional, assembléias legislativas e câmaras de vereadores.

Voluntários – Nos últimos capítulos de Laços de família, por exemplo, encerrada na sexta-feira 2, a personagem Capitu (Giovana Antonelli) mostra no vídeo a camisinha, antes de ter relações com o seu grande amor, Fred (Luigi Baricelli). Na mesma novela, Ciça (Julia Feldens) trabalhava numa livraria e falava sobre a importância da leitura. A mesma personagem incentivou colegas a ler histórias para doentes em hospitais e, no último capítulo, num diálogo com o ex-jogador de futebol Raí (que interpretava ele mesmo), citou a Fundação Gol de Letra, entidade mantida pelo atleta para atender crianças carentes. Nesse caso, a citação da entidade foi um pedido do ex-jogador. Informações sobre tratamento contra a impotência também foram transmitidas durante a novela, a partir do personagem Viriato (Zé Victor Castiel).

Reproduções da Tevê
Laços de família mostrou Capitu e Fred com camisinha e Ciça falando de trabalho voluntário

Pouca gente tem idéia de como a maioria desses discursos ganha corpo na telinha. Pode surgir, claro, simplesmente de uma vontade do autor. Mas existe uma equipe atuando para produzir o chamado merchandising social. Merchandising é a propaganda feita de forma indireta, introduzida em diálogos de novelas, filmes ou seriados. A mesma equipe que faz o trabalho com objetivos comerciais redige os textos propostos para as novelas da Globo. O teor das mensagens, porém, é sugerido – quase sempre – por uma ONG, o Centro de Mídia e População, ligado à ONU, que trabalha em conjunto com o Instituto Ayrton Senna e a empresa de marketing social Comunicarte. Uma equipe da entidade analisa as sinopses das novelas e, de acordo com o perfil dos personagens, sugere temas que possam ser abordados. Por exemplo: Danilo (Alexandre Borges), também de Laços de família, aparecia sempre em cena com uma taça de champanhe nas mãos e foi alertado por sua mulher, Alma Flora (Marieta Severo), durante uma comemoração, de que esses momentos não deviam ser celebrados sempre com o uso de álcool. “Podia ser um beijo, um abraço”, sugeriu. A decisão final sobre as inclusões é sempre do autor da novela.

Reproduções da Tevê
Malhação virou referência

Suporte – O uso do entretenimento como suporte para ações educativas começou nos Estados Unidos, ainda na década de 70. No Brasil, as primeiras propostas surgiram em 1984. Cinco anos depois, elas estreavam em novelas da Globo que, até hoje, é a única emissora a adotar essa prática sistematicamente. Em 1999, foram mostradas 892 ações de merchandising social. No ano passado, foram 580. O decréscimo se explica pelo fato de, nesse período, a Globo ter exibido várias novelas de época – como Terra nostra, Força de um desejo, Esplendor e O cravo e a rosa –, nas quais era impossível falar de situações atuais. São chamadas ações de merchandising (e não simplesmente inserções), pois uma conversa sobre determinado tema pode ter sequências em até dois ou mais capítulos. “O trabalho não tem a intenção de substituir a educação formal nem o papel educativo da família. Da mesma maneira que os meios de comunicação podem colaborar com comportamentos socialmente nocivos, essa estrutura pode ser usada para promover ações positivas”, explica o publicitário Márcio Schiavo, presidente do Centro de Mídia e População no Brasil e também consultor de organizações que atuam na área social.

Voltado para o público adolescente, o seriado Malhação tornou-se uma referência do merchandisig social. Suas histórias abordam sempre temas como aids, homossexualismo, gravidez, drogas, alcoolismo, meninos de rua, deficiência física ou trabalho voluntário. Seu cenário era uma academia de ginástica, que perdeu lugar para uma escola, justamente para facilitar a discussão de temas educativos. No seriado, fala-se até nos cuidados sobre a primeira relação sexual dos jovens estudantes. A nova novela das oito da Globo, Porto dos milagres, vai seguir na mesma linha. Na trama, será incluída uma campanha institucional sobre a dengue, com orientações a cargo do Ministério da Saúde. “Quando as mensagens são passadas através da novela, causam mais impacto que os comercais normais”, diz Aguinaldo Silva, autor de Porto dos milagres. “E o retorno social é muito importante.”