Mal terminou o jogo em que a Seleção Brasileira de futebol amargou o vexame de perder por 2 a 0 para Honduras, na Copa América, e as especulações começaram a circular. Um antigo nome voltava a ser lembrado como salvador da pátria de chuteiras: Mário Jorge Lobo Zagallo. A referência seria motivo de orgulho para qualquer treinador do mundo. Mas para o aniversariante Zagallo, que completa 70 anos na quinta-feira 9, um convite desses seria um presente de grego. “Estou fora, já dei minha cota de sacrifício pela Seleção. Está fora dos meus planos”, diz o técnico.

Gosto de vitória – Charme do “Velho Lobo”? Ele diz que o cargo se transformou num verdadeiro abacaxi. Diz também que prefere continuar a lua-de-mel com a torcida do Flamengo, time em que conquistou este ano o campeonato carioca e a Copa dos Campeões. A cada gol rubro-negro, Zagallo é abraçado efusivamente pelos jogadores e vibra como menino até ficar com as bochechas rosadas. “Esse gosto da vitória é bom demais. Enquanto isso me der prazer, vou continuar trabalhando.”

Apesar da firmeza com que rebate a idéia de uma possível volta à Seleção, amigos mais íntimos apostam que ele poderia voltar atrás se essa fosse a vontade da torcida. “Ele sempre foi sensível aos apelos do povão. Se isso acontecer, quem sabe…”, diz o médico Lídio Toledo, amigo há mais de 43 anos e seu fiel escudeiro na Seleção.

O problema é que Zagallo não se conforma com a desorganização reinante na CBF e alfineta seu ex-patrão Ricardo Teixeira. “No decorrer das eliminatórias para a Copa do Mundo tivemos três técnicos e ainda não definimos um time base. Por causa dessa falta de planejamento, o treinador tem sempre de começar do zero.”

Cintura flexível – A hipotética volta de Zagallo ao antigo posto não só significaria mudanças táticas como também resgataria um estilo mais simpático de treinador fora das quatro linhas, bem diferente dos últimos três que passaram por lá. No lugar dos ternos de Vanderlei Luxemburgo, Zagallo prefere usar os largos agasalhos que lhe conferem um ar desengonçado. Ao acaju avermelhado com que Leão tingia seus cabelos, ele prefere manter a sinceridade de suas brancas madeixas. De vocabulário comedido, não usa nem um décimo dos palavrões que Luiz Felipe Scolari despeja do banco de reservas a cada jogo.

Vencedor por princípio, Zagallo tem outra virtude importante para o futebol: é habilidoso ao lidar com estrelas e egos desproporcionais. No início do 2001, o Flamengo estava desunido, dividido entre grupos liderados por Edilson e Petikovic. Uma confusão que começou nos treinos e foi parar nos estádios. Ele conseguiu contornar as divergências e recuperar a união da equipe. “Zagallo sabe lidar com um time de estrelas. Se estivesse aqui antes, o Flamengo teria conquistado mais títulos”, elogia Edilson. O técnico reconhece que a experiência foi importante para superar o que ele chama de “vaidades” e acha que essa não é uma tarefa difícil para ele. “Com os craques, é preciso ter jogo de cintura”, ensina.

Fernando Galotta
 “Ele é sensível aos apelos do povão. Se isso acontecer…”
Lídio Toledo, médico e amigo

Sua competência tem sido celebrada pelos torcedores. Nas viagens, o técnico é o mais assediado por caçadores de autógrafos – e também o que atende à galera de modo mais simpático.

Wilton Junior/AE “Ele tem habilidade para lidar com um time de estrelas”
Edilson, jogador do Flamengo

Na partida final do campeonato carioca, quando o Flamengo conquistou o terceiro título consecutivo sobre o arquirrival Vasco da Gama, a torcida assumiu o bordão criado por ele em 1997. “Ih, ih, ih…Vai ter que me engolir”, gritavam os milhares de torcedores que foram ao Maracanã.

Estátua – Até mesmo os antigos adversários, para quem Zagallo criou o bordão, estão em paz com o consagrado treinador. “Ele é um brasileiro que merecia ganhar uma estátua em cada cidade do País”, elogia o jornalista Juca Kfouri.

Helcio Toth
 “Ele merece uma estátua em cada cidade do País”
Juca Kfouri, jornalista

A idéia da estátua, aliás, está prestes a se tornar realidade. A prefeitura de Duque de Caxias mandou construir um busto de Zagallo, a ser inaugurado nos próximos dias. Kfouri, porém, acha que a idéia de chamá-lo de volta à Seleção é um “equívoco”.

A torcida discorda. Aos 70 anos, Zagallo, garoto teimoso e cheio de entusiasmo, tem paixão pelo futebol e, de certa forma, contagia sua equipe, afastando os maus augúrios que resultam dos efeitos da fama e fortuna súbita dos craques. Zagallo tem carisma, o que talvez falte aos técnicos que vêm comandando a Seleção.

É por isso que sua mulher, dona Alcina, espera inutilmente, há mais de 40 anos, que ele cumpra a promessa de ficar longe do futebol depois que parasse de jogar.

Que nada! Zagalo até hoje troca a família por concentrações com marmanjos e viagens exigidas pelos campeonatos. E continua supersticioso: as placas de seus carros têm o número 13 e são expedidas na capital do Espírito Santo para terem impressa a palavra Vitória.

E 70, é um número de sorte? “Enquanto a gente está com saúde, qualquer número traz sorte.”

Dona Alcina, ao que tudo indica, ainda vai esperar muito tempo para ter um marido aposentado em casa.