As mesas do Elias Comidinhas & Bebidinhas, reduto de palmeirenses e um dos restaurantes prediletos dos aficionados do futebol em São Paulo, foram palco de muitas histórias. Aberto em 1981 por Elias de Souza no bairro de Perdizes – a poucos metros do Parque Antarctica, o estádio do Palmeiras, o time do coração do dono –, o misto de bar e cantina italiana tinha um eclético time de clientes. Jogavam, entre outros, o economista Joelmir Betting, os craques Zinho e César Sampaio, o ex-técnico Telê Santana, o ex-governador paulista Paulo Maluf, o tricampeão de Fórmula 1 Nélson Piquet e o ator Lima Duarte. O restaurante abrigou também festas importantes, como a organizada para o lançamento do belo filme Boleiros, de Ugo Giorgetti. A história contada nessa reportagem seria prato cheio numa mesa do Elias, não fosse a parte final justamente o seu fechamento. Seu Elias perdeu a casa e a marca após uma sucessão de trapalhadas protagonizadas pelo técnico do Corinthians, Vanderlei Luxemburgo, sua mulher, Josefa, e os irmãos Sydney e Simone Souza, filhos do fundador do restaurante.

O caso mistura relacionamento extraconjugal, questionamento de paternidade e uma nota promissória de R$ 500 mil, assinada, mas não paga, por Luxemburgo. O capítulo mais recente é uma decisão da juíza Luiza Liarte, incluída no processo 01.024638-0, da 8ª Vara Cível de São Paulo. Ela ordenou a penhora de um apartamento de 362 metros quadrados de Luxemburgo, na rua das Mangabeiras, 135/101, Pacaembu, em São Paulo, com escritura registrada no valor de R$ 700 mil, no Condomínio Luxembourg. Simone e Sydney afirmam ter vendido ao técnico dois terços do restaurante da família, além da marca Elias Bebidinhas & Comidinhas, no dia 1º de novembro de 2000. Luxemburgo, dono do outro terço desde 1997, deu R$ 100 mil no ato e a promissória de R$ 500 mil. “Não quero comentar. Deixe eles falarem. Vou me defender na Justiça”, disse Luxemburgo a ISTOÉ. Antes da penhora, os advogados do técnico ofereceram, como garantia da dívida, a VV Restaurante, uma firma com capital social de R$ 50 mil criada em nome de Vanessa e Valeska, filhas do técnico, para administrar o Elias na “era Luxemburgo”. A juíza achou pouco.

Vanderlei fechou o Elias em dezembro passado, um mês trágico para os Souza. Além do restaurante, a família perdeu dona Vitalina, aos 65 anos. Ela morreu no dia 6 de dezembro, horas depois de Sydney ter assinado a transferência do bar e da marca Elias para o técnico. “Estávamos fragilizados. O Vanderlei sabia disso e se aproveitou da situação. Confiamos nele e deu no que deu”, lamenta Sydney, conhecido como Panda, hoje jurado de um programa apresentado por Castrinho na Rede TV!. A mobília e os objetos de decoração do restaurante foram recolhidos. “Minhas camisas, autografadas pelos jogadores do Palmeiras que ganharam o supercampeonato em 1959, e a de um jogo de 1965, em que o meu time representou a Seleção Brasileira, sumiram”, lamenta seu Elias com lágrimas nos olhos. Contratado pelo Palmeiras, Luxemburgo passou a frequentar o restaurante em 1993. “Neste período, iniciamos um romance, que durou até o final de 1996”, afirma Simone. “Ele não é fácil. Sabe exatamente o que fazer para seduzir uma mulher”, completa ela. Enquanto o Palmeiras conquistava o bicampeonato em 1994, o restaurante explodia. A cada mês, Elias e seus filhos vendiam 3.500 porções de carpaccio e mil pratos de campanário, uma massa com queijo. “Gastávamos R$ 20 mil e o faturamento médio era de R$ 50 mil por mês”, conta seu Elias. Eram tempos felizes. Sydney apresentava a noite paulistana ao novo amigo. “Eu o levava a casas noturnas, mulherada, essa coisa toda, sabe? Cheguei a evitar que um cara o pegasse com uma faca em um café”, conta. Em ocasiões especiais, Luxemburgo, nascido na Baixada Fluminense, exibia no restaurante os seus dotes de pagodeiro. O técnico tratava seu Elias como seu “segundo pai”. O fundador do restaurante retribuía o carinho: “Luxemburgo era o filho que eu gostaria de ter no futebol e não tive.” A família Souza avalizou operações de leasing feitas pelo treinador para comprar carros luxuosos. Simone conta que, para não se expor, Vanderlei recorria a ela para executar, em cemitérios, cachoeiras e encruzilhadas, os despachos exigidos por uma mãe-de-santo paulistana para proteger as equipes do técnico. “Uma vez, no Elias, ela discutiu com o Vanderlei, que prometeu comprar para ela a casa em que vivia, mas não cumpriu”, conta Simone.

Deslumbrados com o amigo ilustre, Simone e Sydney cometeram o primeiro erro. Arrumaram um novo sócio, Jorge Abduch, gastaram R$ 160 mil e inauguraram, em setembro de 1995, na mesma rua do Elias, um outro restaurante chamado Anexo. “A casa não tinha identidade”, reconhece Simone. Abduch abandonou logo o barco. Queria R$ 50 mil por sua parte, mas acabou vendendo-a por R$ 35 mil, em julho de 1996. O comprador foi ele mesmo: Vanderlei Luxemburgo da Silva.

Trapalhadas – O Anexo continuou mal das pernas e fechou. Luxemburgo comprou, então, um imóvel ao lado do Elias. Simone, Sydney – que tinha recebido no papel o restaurante do pai – e o técnico aumentaram a capacidade do Elias de 25 para 100 mesas. Com o triplo de funcionários, a nova casa foi reaberta em 1998. As despesas bateram nos R$ 50 mil mensais e a receita caiu 30%. O pagode começava a desafinar. “Vanderlei prometeu usar seu prestígio no marketing da casa, mas a (Josefa), mulher dele, soube que tivemos um caso e exigiu que ele se afastasse de nós. O Elias afundou de vez. No final, ele nos empurrou esse contrato, levou tudo e não pagou”, acusa Simone. Meses antes da reabertura, Simone casou-se com o paulistano Rogério Jordão. Em 1998, teve uma filha, Pamela. A união durou pouco. No divórcio, Jordão não pagou pensão alimentícia. “Não sei se a filha é minha ou de Luxemburgo”, disse na época, apoiado por sua família. “A menina é do Rogério”, afirma Simone. “A Pamela não lembra em nada o Luxemburgo”, faz coro o advogado dos Souza, Munir Jorge Júnior. Simone sabe que um teste de DNA resolveria a parada. “Mas não quero fazê-lo agora”, diz ela. O ex-marido Jordão vive nos Estados Unidos.

Seu Elias começou a vida como copeiro. Em seu primeiro restaurante, o Dom Camilo, também em Perdizes, cansou de ouvir o ex-presidente Jânio Quadros gritar: “ uma lisa (pinga) para mim.” No Dom Peponi, a segunda casa, no Sumaré, o general Costa e Silva costumava baixar a guarda diante de um spaghetti ao alho e óleo escoltado por uma taça de vinho. Teve mais três restaurantes antes de abrir o Comidinhas & Bebidinhas. Ao comprá-lo, Luxemburgo prometeu entregar-lhe a administração do negócio, oferecendo 30% do lucro mensal. “Isso não será mais possível”, disse o técnico. “Eu e Sydney também erramos muito. Colocamos em risco o que meu pai conquistou. Mas agora o melhor seria receber o que o Vanderlei assinou”, conclui Simone. O técnico diz que está pronto para reabrir o espaço. Debilitado pelo mal de Parkinson, seu Elias, a vítima, tenta começar de novo. Ele negocia um novo ponto, também próximo ao Palmeiras.