Na política, como no amor, o jogo da sedução alimenta sonhos e disputas, mas não necessariamente termina em casamento. Os afagos públicos trocados entre o poder econômico e o líder das pesquisas para a Presidência na eleição de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), refletem um novo patamar de relacionamento: civilizado e respeitoso, mas longe de significar apoio. Os donos do dinheiro dificilmente apostariam suas fichas em Lula, mesmo em sua atual versão amenizada. No tabuleiro da quarta disputa presidencial após o fim do regime militar, a elite financeira está se articulando nos bastidores, em jantares, almoços e reuniões, para encontrar seu representante. Enquanto isso, boa parte do PIB tece elogios ao que chamam de “amadurecimento de Lula”. Eles não querem se indispor com quem tem mais chances, até agora, de ser o próximo presidente da República. Os pesos pesados do capital têm procurado petistas ilustres para saber até onde vai a moderação de Lula e tentam, desde já, costurar compromissos com as linhas econômicas básicas que consideram fundamentais, como inflação, câmbio sob controle e taxa de juros baixas, por exemplo. Nem PT nem Lula representam o bicho-papão de 1989. Mas o maior temor do empresariado é que as regras do jogo sejam quebradas, principalmente no que se refere aos contratos das dívidas interna e externa.

Toda a vez que o empresariado faz juras de amor ao PT, o partido de Lula, como no samba de Nelson Sargento, aproveita e finge que acredita. Mesmo no jogo de gato e rato, Lula opta pela transparência. Pela primeira vez, anunciou a empresários que está aberto às colaborações do setor a seu programa de governo. O aceno foi feito na terça-feira 24, véspera de sua viagem à região Sul, onde fez a Caravana da Agricultura Familiar – nove dias de visitas a cooperativas, sindicatos e associações de pequenos agricultores. Durante almoço na sede da Gradiente, de Eugênio Staub, também presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) – que reúne grandes empresários do País –, Lula foi indagado se aceitaria sugestões para o programa econômico, elaborado pelo Instituto da Cidadania. A resposta foi positiva, o que agradou a empresários como Paulo Francini, Cláudio Bardela, Jacques Rabinovitch e Ivonci Ioschpe. O projeto, que fez barulho ao ser lançado, está sendo detalhado por economistas e receberá a colaboração de várias entidades da sociedade civil e profissionais liberais. “Os empresários têm nos procurado muito, querem conhecer mais a fundo as idéias de Lula e suas alternativas para enfrentar a crise econômica. Estamos abrindo a discussão e poderemos até mesmo alterar pontos do programa”, afirmou Guido Mantega, assessor econômico de Lula, que estava no almoço.

Não apenas empresários do setor produtivo fazem contato com o PT. Banqueiros e investidores nacionais e estrangeiros procuram conhecer melhor as propostas. O deputado federal José Genoíno, presidente interino do partido, já foi procurado por investidores dos bancos Morgan, Citibank e Banco de Boston. “A gente esclarece como é correlação de forças internas do PT e quais são as posições majoritárias. Os investidores perguntam muito sobre como agiremos com relação à dívida externa, aos juros, e ao déficit de contas correntes. Este setor apóia FHC, mas o diálogo não é travado. No caso dos empresários do setor produtivo, aí a conversa é muito mais próxima. Eles pleiteiam muitas coisas que nós defendemos, como a redução das taxas de juros, o crescimento do País, a distribuição de renda e a reforma tributária”, contou o deputado.

Os esforços petistas estão surtindo efeito, a começar pelo empresário mineiro e senador José Alencar (PMDB), dono de um patrimônio de mais de R$ 1 bilhão, cotado para ser o vice de Lula. Diante de elogios públicos de pesos pesados, setores mais conservadores do empresariado acabam perdendo o medo do PT. Há algumas semanas, o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, chegou a afirmar que, entre Lula e Itamar, votaria no petista. Mas, ressabiada, a esquerda do partido desconfia: “Os empresários preferiam que o candidato fosse Cristóvam Buarque (ex-governador do DF), Mercadante ou Genoíno”, reage o deputado estadual Chico Alencar (RJ). Representante do setor da agroindústria, o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Luiz Hafers, não tem dúvidas de que o PT evoluiu. “Hoje, continuo tendo discordâncias, mas não tenho medo do PT. Sou conservador, mas não burro, e tenho preocupações sociais. Acho que tanto o PT como os setores conservadores mudaram e foram em direção ao centro”, opinou Hafers, ressaltando que nunca votou nem pretende votar em Lula. O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, disse que com a queda do Muro de Berlim a questão ideológica é secundária.

“O importante é saber quem tem a melhor proposta para promover a desconcentração da renda e manter a estabilidade”, disse Vieira. Já o empresário Carlos Jereissati vai além. “Por mais paradoxal que pareça, o PT hoje é o partido que melhor defende os interesses do empresariado brasileiro”, afirmou. O ex-presidente da Fiesp Mário Amato, em artigo publicado no Jornal do Brasil, no início de julho, comenta que hoje nenhum companheiro seu fugiria do País com uma eventual vitória de Lula. Amato fez história em 1989, quando estava à frente da entidade, ao dizer que 800 mil empresários fugiriam do Brasil se Lula vencesse Fernando Collor. “O esquerdismo moderado, como o que apresenta agora o Partido dos Trabalhadores, poderia ser aceito se o programa econômico apresentado por esse partido se compatibilizasse com a realidade nacional, o que não acontece”, alfineta o empresário em seu artigo.

Tropeço – Em rota de crescimento nas pesquisas, Lula, no entanto, acabou arranhando a bem planejada imagem de moderado ao dar munição para adversários. Apoiou a greve das polícias e admitiu até a paralisação nas Forças Armadas. Ele acusou ainda o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, de blefar ao dizer que defende o fim do subsídio agrícola junto à União Européia. Segundo Lula, Blair veio ao Brasil para fazer propaganda de FHC. Ao mesmo tempo, sua companheira de partido, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, rasgava elogios a Blair (“brilhante e charmoso”). O primeiro-ministro inglês, que se identifica com as idéias de FHC, de fato andou de braços dados com o presidente na visita que fez nesta semana ao Brasil. Antes da crise de ciúmes de Lula, FHC entrou no coro pró-Lula. No sábado 28, disse que gostaria de ver Lula em seu palanque. No xadrez político imaginado pelos tucanos, o petista está praticamente assegurado no segundo turno e, sem candidato que decole, os alvos preferenciais do PSDB têm sido Anthony Garotinho (PSB), Itamar Franco (PMDB) e Ciro Gomes (PPS), tecnicamente empatados no segundo lugar nas pesquisas de opinião. “Não estamos embalados com o namorico de FHC. Estamos calejados.

O Exocet está sendo preparado”, avaliou Genoíno. Quem parece estar sendo preparado para exercer esse papel é o ministro da Fazenda, Pedro Malan, cuja filiação ao PSDB é tida como certa. Logo após o polêmico jantar oferecido a FHC e a poderosos empresários pelo banqueiro Olavo Setúbal, na sexta-feira 13, Malan saiu atirando em Lula e no PT. O ministro, segundo porta-vozes dos comensais de Setúbal, é o candidato preferido da elite para enfrentar Lula, uma vez que o ministro da Saúde, José Serra, e o governador cearense, Tasso Jereissati, comprovadamente não empolgam o eleitorado. Os nomes tucanos para a sucessão estiveram no cardápio do encontro, avaliado por Ciro Gomes como uma reedição da OBAN – grupo de ultradireita financiado por empresários na ditadura militar. Mas não houve consenso. É cedo para o empresariado fechar um nome que represente a continuidade econômica do governo FHC. A única coisa certa é que o candidato do presidente será o candidato do PIB.

Filiação – Corre nos bastidores palacianos que quem vai abonar a ficha de Malan no PSDB é o próprio FHC. Ele estaria mexendo os pauzinhos para pôr o ministro no páreo da sucessão. FHC chegou a sondar líderes da ala governista do PMDB sobre a candidatura do ministro, mas não sentiu empolgação do partido. O PFL, que também gostaria de ter Malan em seus quadros, aceita apoiá-lo. A resistência maior é do PSDB paulista. “Antes há necessidade de ele passar por outras experiências eleitorais”, torpedeou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Mesmo com a oposição de parte do tucanato, Fernando Henrique está pedindo a ministros que levem Malan a inaugurações, na expectativa de que ele se torne mais popular e entre nas pesquisas. O ministro da Fazenda tem feito a sua parte. Enquanto FHC ataca presidenciáveis de oposição e poupa Lula, Malan aproveita todas as oportunidades para se mostrar como um contraponto às propostas econômicas do PT.

O ministro já está com comportamento de candidato. Por exemplo, não aceita mais ser fotografado com cachimbo na boca. Acha que isso dá um certo ar blasé que não agrada ao eleitorado. Malan nega que pretenda seguir o caminho de FHC, da Fazenda para o Planalto. Mas está devolvendo as pedradas de Lula, que acusou o governo de engessar a próxima administração com o novo acordo que pretende firmar com o FMI. “O ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central desse partido (PT) recusar-se-ão a sentar-se à mesa de negociação (com o FMI)?”, reagiu Malan durante a posse do novo presidente do Sindicato dos Bancos do Rio, Walber José Chavantes, na sexta-feira 27, na sede do Jockey Club. Sempre na companhia do presidente do BC, Armínio Fraga, Malan esteve ao lado de banqueiros como o presidente do Safra, Carlos Alberto Vieira, e do presidente da Associação Comercial do Rio, Marcílio Marques Moreira. Ele surpreendeu os representantes do mercado financeiro com sua extrema simpatia.

Para se tornar unanimidade entre os representantes dos interesses da turma do andar de cima, Malan tem que contar com uma mãozinha de Olavo Setúbal. Bem-humorados, empresários paulistas aconselham o banqueiro – que está obcecado por Serra – a parar de gerar polêmicas com seus jantares. De acordo com esses convidados ilustres, mais duas reuniões como aquela e Lula termina se elegendo presidente no primeiro turno.

Colaboraram: Andrei Meireles (DF) e Paulo Vasconcelos (RJ)