A escolha do senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) para presidir o Conselho de Ética foi feita a dedo por uma razão óbvia. Como amigo e correligionário, ele deveria protagonizar o papel de pizzaiolo para salvar da cassação o presidente licenciado da Casa, Jader Barbalho. Na última semana, porém, o Boto Tucuxi – como Mestrinho é conhecido no Amazonas por ter a fama de mulherengo e de “engravidar” urnas eleitorais – deu o bote. Com o apoio do presidente interino da Casa, senador Edson Lobão (PFL-MA), ele formou uma comissão composta pelos senadores Romeu Tuma (PFL-SP), Jefferson Peres (PDT-AM) e João Alberto (PMDB-MA) para em 30 dias investigar as denúncias que pesam sobre Jader e, na quarta-feira 1º, fez um discurso típico de quem está abandonando o barco. “Há gravíssimas evidências contra o presidente do Senado”, disse. “Não podemos tapar o sol com a peneira. O que está em discussão é se iremos ou não cassar o presidente desta Casa.” Nomear a comissão de três senadores foi uma manobra de Mestrinho. Assim, ele poupa Jader do vexame de ver a primeira fase da investigação no Conselho de Ética ser acompanhada por todo o País pela TV Senado, pois os trabalhos serão realizados em pequenas salas e não nas salas das comissões, onde vários senadores buscam os holofotes. Mas, ao se referir às “gravíssimas evidências”, Mestrinho deixa claro que o amigo paraense está isolado e caminha para a cassação, a não ser que opte pela renúncia, a exemplo do que fizeram os ex-senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda.

Acossado pelas apurações das denúncias de que recebeu propinas para liberar financiamentos na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), de que se beneficiou da venda de Títulos da Dívida Agrária (TDAs) fraudados e de ter embolsado recursos desviados do Banco do Estado do Pará (Banpará), Jader está isolado também fora do Congresso. Depois de engavetar durante anos todas as denúncias contra o senador, na quinta-feira 2 o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, disse ter provas suficientes para pedir o indiciamento do presidente do Senado ao Supremo Tribunal Federal. “As informações do Banco Central fornecem elementos para indiciar Jader Barbalho”, disse o procurador.

Nos últimos dez dias, Brindeiro recebeu três ofícios do Banco Central (BC) que detalham a participação do senador em uma maracutaia que retirou dinheiro público do banco estadual e engordou contas particulares. Esses três ofícios colocam em xeque um parecer elaborado pelo Departamento Jurídico do próprio BC em outubro 1992, que até agora era usado por Jader como uma espécie de tábua de salvação. O documento atesta que não se conseguiu “detectar provas suficientes, robustas, convincentes, no sentido de, juridicamente, indiciar o sr. Jader Fontenele Barbalho” e recomenda que o caso seja abandonado. Em 1992, o BC já dispunha dos dados que apontavam Jader como um dos favorecidos pelo desvio do dinheiro público. Devido a essas atitudes contraditórias, o subprocurador Paulo de Tarso Braz Lucas escalou uma equipe especial para investigar a conduta do BC.

O resultado da investigação foi uma nota técnica que também leva a pique a tábua de salvação de Jader. A nota, com pouco mais de 40 páginas, descreve como R$ 39,2 milhões em depósitos no fundo de renda fixa do Itaú, feitos entre 1983 e 1988 com recursos do Banpará, foram parar nas contas do senador e de outras 48 pessoas ligadas a ele. “Está clara a participação do presidente do Senado no esquema como principal beneficiário dos desvios”, avalia o subprocurador.

Sudam – As provas documentais sobre o envolvimento de Jader nas falcatruas do Banpará são tão contundentes quanto as provas testemunhais que existem nos escândalos da Sudam. Nivaldo Marinho, ex-assessor do deputado estadual Mário Frota (PDT-AM), é uma das testemunhas. Na quinta-feira 2, ele esteve espontaneamente na Polícia Federal em Manaus e prestou um longo depoimento ao delegado Nilson Antunes da Silva. Marinho foi taxativo. Afirmou que foi ele o autor da gravação de uma conversa telefônica entre Frota e o empresário David Benayon, em maio de 1998. Na conversa, revelada nas duas edições anteriores de ISTOÉ (ouça aqui as gravações), o deputado diz a Benayon que Jader exigia US$ 5 milhões para que a Sudam liberasse o dinheiro para o projeto do empresário, estimado inicialmente em R$ 60 milhões. Na época da gravação, Frota buscava recursos financeiros para sua campanha e era o responsável pela Sudam no Amazonas. Segundo Marinho, os empresários David e seu primo Tocandira Benayon, que também tinha interesses na Sudam, foram os responsáveis pelo financiamento da campanha de Frota. “Mário Frota intermediava os contatos entre a família Benayon e o senador Jader Barbalho”, disse Marinho ao delegado Silva. “Diversas vezes acompanhei o deputado e Benayon até o aeroporto para que embarcassem para Brasília e Belém, onde se encontravam com Jader”, afirma. De acordo com o delegado, o depoimento foi convincente e rico em detalhes. O secretário especial da Amazônia, José Diogo Cyrilli, já descobriu que os Benayon obtiveram pelo menos R$ 20 milhões da Sudam, mas os projetos não foram completamente implantados.

Outra testemunha importante é o deputado Mário Frota. Para se defender das acusações de ter se locupletado com propinas, ele insiste em dizer que a fita gravada por Marinho é uma armação e que o ex-assessor imitou sua voz. Em entrevistas a ISTOÉ, no entanto, confirmou que havia um milionário esquema de propinas na Sudam (leia quadro ao lado). Frota vive um dilema. Para a Comissão de Ética do Senado, ele pode ser o mocinho, caso repita tudo o que disse em entrevista gravada, detalhando as fraudes que viu ocorrer na Sudam, inclusive citando projetos e valores. Na Assembléia do Amazonas, no entanto, o deputado passa por momentos de vilão. Na quinta-feira 2, o presidente da Assembléia chamou os deputados para uma reunião secreta e criou uma comissão para investigar as denúncias feitas por Marinho.

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Caixinha – Na PF, o ex-assessor contou detalhes de como fez a gravação e deu o nome de outras testemunhas, entre elas o jornalista Graça Neto, dono do gravador em que foi registrada a conversa de Frota com Benayon e que estava na casa do deputado no dia do telefonema. O jornalista já confirmou que prestará depoimento. Marinho também explicou que os motivos do seu rompimento com o deputado complicam ainda mais a vida de Frota. Disse que o deputado exige dos funcionários de seu gabinete com salários superiores a R$ 1 mil o repasse de parte dos vencimentos para um caixa de campanha. “Quem coordena a arrecadação é o chefe de gabinete, Francisco Gomes”, afirma o ex-assessor. Ele assegura que Gomes chegou a incluir na folha de pagamento seus dois filhos, Fábio e Frank, que nunca trabalharam com o deputado. “Os salários deles iam direto para a caixinha”, disse Marinho. Com tudo isso, é provável que Frota marche para o mesmo fim de Jader: a cassação ou a renúncia.

Colaborou Sonia Filgueiras


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