Até pouco tempo atrás, desenhar arcos, flechas, tambores e cocares era quase que a única atividade feita em aula pela maioria dos alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Sulivan Oliveira, no loteamento indígena Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), onde vivem 125 famílias. Nos cadernos, apenas palavras escritas na língua indígena. Descobrir a melhor maneira de educar essas crianças era um desafio para os professores. Os alunos são índios da tribo Terena – segunda maior em população no Estado – e, até recentemente, não frequentavam a escola. Agora, a chegada da informática mudou a realidade desses estudantes. Mesmo quem ainda não consegue escrever corretamente o português já domina o mouse do computador com habilidade.

Isso foi possível com o programa Salas de Informática, da Prefeitura de Campo Grande, que equipou todas as escolas da rede municipal. Com um investimento de R$ 8 milhões, a prefeitura reformou escolas, comprou computadores e treinou professores. “Beneficiamos 72 mil estudantes da rede e criamos condições até para competir com a escola privada, graças aos recursos do Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental (Fundef) e da própria prefeitura”, informa o prefeito André Puccinelli (PMDB).

Nas salas de informática da escola indígena, os professores desenvolvem atividades relacionadas com a realidade dos estudantes. Além de desenhar, os alunos descrevem objetos, dão cores às imagens e contam histórias sobre seus costumes e tradições. “Pensávamos que eles teriam dificuldades de adaptação. Mas o computador, agora, os ajuda a resgatar sua cultura”, comemora Francisca Vênega, diretora da escola Silvestre Oliveira. Josias Candelário, dez anos, aluno da quarta série, é um dos que mais se destacam. Nunca tinha visto um computador e está empolgado com a novidade, que utiliza para desenhar e escrever histórias sobre sua tribo. “Fiz um desenho sobre nossa dança, chamada Ciputrema, que só tem mulheres”, explica o garoto, mostrando seu trabalho.

Na área rural, a 40 quilômetros do centro, também é possível perceber as mudanças com a chegada da informática. Os alunos ficaram mais motivados e as aulas mais animadas na Escola Municipal Orlandina Oliveira Lima, na região conhecida como Aguão. A estudante Floripes Menezes, oito anos, acorda todos os dias às cinco da manhã e, junto com os sete irmãos, anda cerca de quatro quilômetros até uma rodovia, de onde segue de ônibus para a escola. Apesar da distância, os Menezes, como são conhecidos, não faltam mais às aulas. Filhos de lavradores, eles também não conheciam computadores. Agora, passam horas em frente ao micro. Os irmãos ocupam quase um terço da sala, que tem 23 alunos.

Alguns professores tiveram mais dificuldade em lidar com os computadores do que os alunos. “Muitos resistiram, pelo menos por algum tempo”, atesta a diretora da escola, Janete de Souza. Para despertar a criatividade e o raciocínio dos alunos, os professores criaram também o Projeto Horta, que ensina a cultivar hortaliças. Assim, eles realizaram pesquisas sobre a origem das plantas. “Isso é o que eles estão acostumados a fazer. A maioria ajuda os pais na roça”, afirma a diretora. A informática melhorou o desempenho da escola. No relatório enviado para a Secretaria Municipal de Educação, no final do ano passado, a evasão escolar é zero. Na Escola Arlindo Lima, no centro da cidade, estudantes portadores de deficiência auditiva também passaram a se comunicar melhor com o uso da informática. Eles têm o auxílio de psicopedagogas, que, durante as aulas, atuam como intérpretes. “Agora, falamos todos a mesma língua”, alegra-se Ana Paula Araújo, 19 anos, aluna da oitava série, comunicando-se, com gestos, através de sua intérprete.

Prioridades – O prefeito André Puccinelli garante que Campo Grande é a primeira capital do País a ter toda a rede municipal de ensino informatizada. Até a oposição reconhece essa façanha, embora critique o fato de outras prioridades terem ficado em segundo plano. “Mais de três mil alunos de educação infantil ainda estão fora da escola. E falta uma política séria para a área social”, ataca o vereador Marcos Alex, do PT. “Cinquenta mil famílias passam fome, e nunca se criou um programa de combate à pobreza. Isso não é motivo de orgulho”, acrescenta o petista. De qualquer forma, o avanço das escolas com a informática é visível. A prefeitura
pretende buscar parcerias para ampliar o projeto, incluindo o acesso à internet.

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