Capivaras de patas esturricadas pelo sol escaldante matam a sede numa lagoa repleta de lama. Parecem não se importar com a presença dos jacarés, que procuram ali um pouco de água fresca, já que sombra é impossível no Pantanal nos quase seis meses de seca. Nessa época, os animais da terra, os peixes e os pássaros que conseguem sobreviver à falta de comida e à sede sofrem com a ameaça do fogo rasteiro, que varre a planície impulsionado pelo vento, deixando para trás um rastro de destruição e de morte. A escassez de comida é tanta que a onça-pintada disputa com urubus uma carcaça de boi apinhada de moscas, para dar de comer a seus dois filhotes.

Na outra metade do ano, quando chove e a região ladeada pelo cerrado se transforma na maior área alagada do mundo, os bichos reinam. Preguiçosos, os jacarés postam-se ao pé das cachoeiras com a boca aberta, à espera de que um peixe mergulhe em sua garganta. Obrigadas a uma dieta forçada na estiagem, as vegetarianas e corpulentas capivaras fartam-se de arbustos e folhagens. Gordas e saudáveis outra vez, elas se tornam o banquete preferido das onças-pintadas. Todos os anos, depois de arrasado pela seca e pelo fogo, o Pantanal brota das cinzas, floresce e exibe um dos cenários mais ricos do planeta em diversidade de animais e plantas. Foi em busca de cenas do espetáculo da vida selvagem que uma equipe de 72 profissionais da emissora inglesa BBC passou três anos em campo para rodar o documentário América do Sul selvagem, que será exibido no Brasil entre 6 e 11 de agosto, pelo canal pago de tevê Discovery.

A produção consumiu 3,5 milhões de libras (cerca de R$ 980 mil) e usa a última palavra em tecnologia, como uma câmera infravermelha. Foi com ela que se conseguiu gravar flagrantes da vida noturna e debaixo d’água. O resultado são imagens de tirar o fôlego dos apreciadores da natureza. São ao todo seis episódios, quatro deles rodados em território nacional. Além da imensidão alagada do Pantanal, há um episódio só sobre o rio Amazonas, que tem a maior vazão fluvial do planeta e inunda todos os anos uma área do tamanho da Inglaterra, outro sobre a Floresta Amazônica e um dedicado à mais longa cadeia montanhosa do mundo, a cordilheira dos Andes. A série de tevê exibe ainda imagens do deserto de Atacama, no Chile, dos pampas gaúchos e da inóspita e gelada Patagônia.

Amor eletrizante – No capítulo sobre o cerrado, as câmeras infravermelhas flagaram uma raridade: um casal de lobos-guará – espécie em extinção – engalfinha-se numa disputa por território e por pequenos roedores e seus ovos. A maior surpresa debaixo d’água foram os peixes-elétricos, que chegam a disparar choques de 10 a 600 volts para paralisar suas presas e depois abocanhá-las. “Existem 73 espécies de peixe-elétrico na Amazônia central e eles usam essa energia para se alimentar ou para se comunicar com animais da mesma espécie em tempos de acasalamento e reprodução”, diz o biólogo brasileiro Marcio Ayres, um dos consultores da série sobre a vida selvagem sul-americana.

Ayres conta que o documentário inglês conseguiu registrar fenômenos de que só se tinha notícia em relatos folclóricos dos nativos. Um deles é a peripécia gastronômica do primata sagui-de-cara-branca. Para proteger-se do veneno de folhagens da Floresta Amazônica das quais se alimenta, ele forra o estômago com lama. São sinais da capacidade de adaptação dos animais às agruras do seu ambiente natural. O documentário explora ainda toda a costa oeste da América do Sul. Registrou imagens de baleias-cachalote nadando em direção a seu berço de reprodução, nas Ilhas Galápagos, além de pinguins, golfinhos e pássaros exuberantes como o condor, símbolo da Patagônia, e o albatroz, imensa e bela ave dos mares cujas asas desajeitadas quando está em terra levaram o escritor francês Charles Baudelaire a compará-lo ao poeta.

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