Crítica da crítica em seu melhor momento poderia ser uma definição do autor americano Henry James, se sua obra coubesse em uma única frase. Não cabe. James, que antes de mais nada foi um homem do mundo efervescente, social e elitizado do final do século XIX, era também um observador mordaz dos costumes dos salões que frequentava e que conseguiram sobreviver à sua ironia fina e ao charme irresistível de verdadeiro dândi. Sua veia crítica, mas principalmente autocrítica, se mostra mais evidente em A vida privada e outras histórias (Nova Alexandria, 206 págs., R$ 23). São apenas três novelas, o gênero favorito de James. Entre elas uma inédita no Brasil, justamente a que dá título ao livro.

A tônica comum é a figura do escritor misterioso, que conquista seus pares com segredos inomináveis. Na primeira, A lição do mestre, James promove o encontro de um autor consagrado com outro iniciante, que lhe bebe avidamente os conselhos até deparar-se com a traição suprema, quando o mestre arrebata a mulher de seus sonhos. Embora deixe no ar, em nome da piedade para com a dor alheia, a possibilidade de tudo ter sido cometido para favorecer a ação da musa, ele não esconde a crueldade do mundo dos grandes egos. Cabe ao leitor o julgamento final.

Em O desenho do tapete, a segunda e mais fascinante das três histórias, James frustra o leitor num ato de puro masoquismo criativo. A novela mostra mais um escritor famoso, Hugh Vereker, que desafia seus críticos a identificar na teia de sua obra o fio comum que, segundo ele, é reproduzido em cada livro como chave de toda a criação. Alguém localiza, ou pensa ter localizado, o enigma. James deixa o leitor aflito até a última linha, na esperança de que lhe seja finalmente revelado o segredo.

A novela inédita, A vida privada, mostra um lado da vivência artística que o próprio James enfrentou ao tornar-se uma estrela da sociedade da época. Para estar no maior número possível de lugares ao mesmo tempo, o autor inventado por ele acaba não tendo mais tempo para dedicar-se à sua obra. Como solução do conflito, cria um duplo, um clone de si mesmo. Em público, Clare Vawdrey se mostra um ser banal, fútil, incapaz de pronunciar algo criativo, que intriga o observador em busca de um brilho intelectual digno da sua fama. Enquanto seu ghost-writer é tudo o que de sua imagem se espera, embora preserve a solidão e o sossego necessários à inspiração. Não deixa de ser um libelo delicioso para quem algum dia sonhou com o estrelato e a badalação.


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