Manhã do dia 26 de junho de 2001. O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), presidente da Câmara, entrou em silêncio no gabinete do presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto. Dessa vez, não se tratava de uma audiência. Aécio, 41 anos, estava assumindo, pela primeira vez, a Presidência da República por três dias, período em que Fernando Henrique ficaria no Exterior. O jovem mas experiente parlamentar – quatro mandatos seguidos de deputado – pediu para ficar sozinho alguns minutos. Em silêncio, olhou para a cadeira presidencial, mas preferiu sentar-se em um sofá. Precisava tomar fôlego. Como em um videoclipe, “assistiu” aos anos mais intensos de sua vida passarem em sua cabeça. Vivenciou em suas memórias o trabalho e a convivência diária desde 1981 com o avô Tancredo Neves, a campanha para governador de Minas em 1982, a luta das Diretas e a campanha presidencial em 1984, com a eleição do avô no Colégio Eleitoral. Os preparativos para a posse e a tragédia – a doença e a morte de Tancredo Neves – também voltaram à memória. Aécio olhou novamente para a cadeira presidencial. E viu que ela já estava ocupada. “Não sou místico, mas naquele momento senti que meu avô estava ali, no lugar para o qual tinha se preparado a vida toda. Estava do meu lado, feliz, me dando apoio. Então decidi usar outra cadeira e mesa nos três dias em que fui presidente em exercício”, confidencia o parlamentar.

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Assumir a Presidência ainda que por três dias, cargo que a doença roubou de seu avô, teve para Aécio e toda a família uma forte carga simbólica. Mas, para colegas tucanos e até da oposição, chegar ao terceiro andar do Planalto, e ocupar o gabinete mais cobiçado de Brasília foi apenas uma consequência da sua surpreendente ascensão política nos últimos anos no Congresso. Eleito presidente da Câmara em fevereiro deste ano, rompendo com uma tradição que destinava o posto ou ao PFL ou ao PMDB, Aécio, para conseguir derrotar o deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE), teve que dar duro. Enfrentou não apenas os pefelistas, mas parte do PMDB e o próprio FHC, que não queria mais problemas na base aliada. “Uma conversa com o governador Mário Covas (PSDB-SP) me deu o empurrão que faltava. Ele me perguntou se eu tinha apoio do partido e se teria coragem para peitar o presidente. Respondi afirmativamente e ele me garantiu seu apoio”, recorda. Eleito, em poucos meses Aécio sacudiu a Casa. Primeiro foi a votação da limitação na reedição das Medidas Provisórias (MPs), contrariando o governo. Depois vieram o Código de Ética e Decoro e a redução da imunidade parlamentar, “para resgatar a imagem da Casa perante a sociedade”. E encerrou o ano presidindo a votação da correção da tabela do Imposto de Renda, medida que o governo vinha empurrando com a barriga há tempos. Foi outra situação de confronto com o Planalto. “Fui franco com o presidente. Como no começo do ano, quando houve a votação da limitação das MPs, disse que minha posição tinha que ser a de presidente da Câmara, e não a de integrante do PSDB ou do governo. A prioridade tinha que ser o País”, afirma.

O modo de agir de Aécio, primeiro como líder do PSDB e agora como presidente da Câmara, vem agradando seus pares. “O velho Partido Comunista dizia que um bom quadro se forma em oito anos. Aécio está completando 16 anos como deputado. É um quadro formado, competente e pronto para assumir qualquer função no País”, atesta o líder do PDT, Miro Teixeira (RJ), que se lembra do garoto secretário de Tancredo, do jovem constituinte, e é testemunha de seu crescimento político. Adversário de ontem e hoje aliado, Inocêncio considera Aécio um digno herdeiro de Tancredo: “Ele vem de um Estado e uma família que respiram política. Foi meu adversário, mas não coloco a derrota à frente da instituição e o apóio. É o cargo mais difícil do País, porque tem que lidar com as vontades, projetos e exigências de 513 iguais. Aécio, pela pouca idade, vem sendo uma agradável surpresa.” O estilo negociador de Aécio já virou marca. “Ele busca o diálogo sem olhar o partido. Não fica encastelado no gabinete da Presidência”, comprova o líder do PT, Walter Pinheiro (BA), interlocutor frequente.

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Adeus ao surfe – A carreira política de Aécio começou muito antes de 1986, quando foi eleito deputado federal por Minas Gerais aos 26 anos, com uma avalanche recorde de 236 mil votos, que atribuiu como “homenagem dos mineiros a Tancredo”. Foi no final de 1981 que Tancredo fez ao neto – à época com 20 anos e estudante universitário e surfista no Rio de Janeiro – o convite para trabalhar com ele com uma frase hoje histórica: “Quer deixar essa boa vida e vir conhecer o Brasil comigo?”, perguntou. Aécio transferiu matrícula dos cursos de administração e direito do Rio para Belo Horizonte e foi morar com o avô e o pai, o deputado Aécio Cunha, em um apartamento de dois quartos em Belo Horizonte. “Cada um dormia em um quarto e eu no sofá da sala. Dormir é modo de dizer: eram no máximo seis horas por noite”, lembra. Aécio Cunha diz que a iniciação política do filho ocorreu muito antes. “Quanto ele tinha 14 anos, me atrasei para um comício em Teófilo Otoni e ele discursou em meu lugar. Fez sucesso”, lembra.

Depois da morte de Tancredo, Aécio foi nomeado por José Sarney diretor da Caixa Econômica Federal, aos 24 anos, candidatando-se à Constituinte em 1986. Eleito, foi um dos signatários da emenda que deu direito de voto a partir dos 16 anos de idade. Reelegeu-se novamente, já pelo PSDB, em 1990 e em 1994. Em 1996, no meio do terceiro mandato, já experiente na política, decidiu disputar a liderança do partido. Era uma decisão ousada, logo desencorajada por FHC, em uma conversa franca: “No quadro de hoje, você perde”, afirmou o presidente. Mas Aécio, filho e neto de políticos, não desistiu. “Ninguém acreditava que eu teria qualquer chance, mas segui em frente e venci”, afirmou. Decidido a transformar o PSDB na maior bancada da Câmara, recorreu aos pensamentos do avô (“Escolha seus inimigos e concentre forças contra eles”) e comprou briga com Inocêncio. Ao formar, em 1999, o bloco PSDB-PTB, ele tirou do PFL o título de a maior bancada e superou Inocêncio.

Na trilha do avô – Esse crescimento político de Aécio fez com que seu nome passasse a ser cogitado até como opção de candidato presidencial do PSDB. “Estou bem vacinado contra a mosca azul”, jura. Ele insiste que seu futuro político será decidido pelo PSDB mineiro, podendo ser o Senado ou a disputa pelo governo de Minas. Essa última hipótese está sendo acalentada pelas chamadas bases tucanas, que imaginam na figura jovem de Aécio o contraponto ideal ao vice-governador Newton Cardoso, por exemplo. A irmã Andréa, um ano e um mês mais velha, uma espécie de seu braço direito, garante que ele está com os pés no chão. “É o estilo dele, conversar, colher opiniões, até ter um quadro definido”, afirma. Divorciado da mulher, também Andréa, que mora no Rio com Maria Clara, de sete anos, filha do casal, Aécio, como presidente da Câmara, é figura obrigatória nas transmissões das sessões no Plenário da TV da Casa. E tem uma espectadora fiel, sua avó Risoleta. A viúva de Tancredo não perde uma sessão e garante que o neto está “muito bonito” na TV. E tem certeza que ele conta com uma ajuda preciosa. “Muitas vezes eu vejo o Tancredo ao lado dele, com a mão em seu ombro, ajudando-o a resolver as coisas do melhor modo”, afirma. Passo a passo, Aécio vai seguindo a trilha deixada pelo avô.

‘O velho PCB dizia que um bom quadro se forma em oito anos. Aécio completa 16 anos como deputado e está pronto para qualquer função” Miro Teixeira, líder do PDT na Câmara.