Viajar dentro da própria cidade. A afirmação, por si só, já é contraditória. Nem mesmo o dicionário mais famoso considera tal possibilidade. De acordo com o Aurélio, viagem é o ato de ir de um a outro lugar relativamente afastado. O jornalista e publicitário curitibano Eduardo Emílio Fenianos, 29 anos, está disposto a mudar o significado do termo. Viagem, para ele, começa num passeio à esquina de casa, numa visitinha ao vizinho ou num giro pelos botecos do bairro. Essa é a filosofia do urbenauta. Na tradução do grego, é aquele que viaja pela cidade. Eduardo se considera um explorador urbano. Uma espécie de Marco Polo da periferia, um bandeirante na selva de pedra.

No sábado 10 ele iniciou sua mais nova aventura. A pretensão é, literalmente, do tamanho de São Paulo. Em 120 dias, irá percorrer a pé, de jipe e barco mais de 12 mil quilômetros no interior da capital paulista. A intenção é fazer o mapeamento urbano, topográfico e, sobretudo, humano da maior cidade da América Latina. Com o material recolhido, pretende escrever um livro e produzir um documentário. Além de jogar as informações em seu site www.urbenauta.com.br. Será a segunda experiência desse tipo. Em 1997, ele fez o mesmo trabalho em Curitiba, sua cidade natal. Essa obsessão por concreto e fumaça começou quando o então publicitário foi contratado para realizar um trabalho sobre os 300 anos da capital paranaense. O contato com os moradores revelou que eles eram capazes de dar detalhes sobre Paris e Nova York e, ao mesmo tempo, não saber o nome da praça em frente a casa ou dos vizinhos do quarteirão. “Um senhor me contou que ele já havia visitado a França, os Estados Unidos, a Inglaterra e vários outros países. Perguntei se ele sabia o nome da rua de trás de sua casa. Ele disse que não. Quis saber então se conhecia o vizinho da frente. A resposta também foi negativa. Percebi que os homens não conhecem o lugar onde vivem”, completa.

A atividade de um urbenauta é guiada por dois mandamentos. Ele não pode sair um centímetro sequer do perímetro da cidade explorada. É também obrigatório dormir na região que estiver visitando. Então, o paulistano não deve chamar a polícia se um cara baixinho, meio careca e vestido com roupas esquisitas bater à porta pedindo um lugarzinho para passar a noite. Nem a prefeita Marta Suplicy está livre de uma possível visita. Ser urbenauta não é fácil. Ele já perdeu namorada e a conta das vezes que
foi motivo de piada de amigos e conhecidos. Mas não há nada
que o faça parar. Nem o enfarte do pai foi capaz de interromper
os trabalhos em Curitiba. Quando “viaja”, deixa a editora da qual
é proprietário sob responsabilidade dos familiares. Riscos existem. Certa vez foi ameaçado por um traficante. Em outra oportunidade, correu de um marido enciumado que havia confundido um cumprimento com uma cantada. São percalços pequenos
diante do prazer de ouvir uma pessoa comum lhe contar a história de sua vida.