No Marco Zero da cidade do Recife tive minha primeira experiência emocionante de 2015. Caminhei por ali no começo da noite esperando a lua e vendo as gentes felizes, em férias, ocupando a praça. Não havia tensão nem linhas divisórias entre periféricos e privilegiados. Aquele era um lugar tranquilo numa cidade nem tanto. O clima era ameno, a brisa vinha do mar, pessoas jogavam conversa fora e usavam o espaço público como seu. De cada um. Não haveria arrastão em nenhum restaurante. A polícia estava presente, mas de maneira discreta. É assim que tem que ser, pensei eu. Tive saudade de cidades seguras que já conheci, de andar livre nas ruas, de não ter medo de ser cidadão.Lembrei de uma praça de Barcelona e de um restaurante que servia um peixe de carne branca e macia. Fizemos a refeição vendo os moradores das casas em frente sentados em suas cadeiras na calçada conversando até alta noite. Ninguém chamava as crianças para dentro e elas brincavam de pique-esconde até suar muito e ficar com aquele cheiro de galinha molhada que toda criança tem. Parecia uma vila do interior no meio de uma metrópole.

Um pedacinho de bairro onde o tempo não passou.Talvez por ser época de férias, minhas memórias me levaram a tantos outros lugares seguros onde já estive. Numa favela de Medellín que ganhou uma das estações de metrô mais modernas que já conheci e uma biblioteca gigantesca e permanentemente lotada de moradores. Nem tudo na cidade está livre da delinquência, mas a revolução pela qual passou a cidade é notável. O ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa diz que uma cidade rica não é aquela onde os pobres andam de carro, mas aquela na qual os ricos andam de ônibus. Em São Paulo, quem pode se desloca em veículos blindados. Eu, que sonho com uma daquelas motos pequenas, das que circulam nas ruas da Itália, me surpreendo com frequência dizendo a alguém: cuide-se. Não ande distraído por aí, São Paulo é perigosa. Pessoas morrem por nada, de bala perdida, atropeladas, vitimadas em assaltos, as ruas não são de ninguém, nem do morador nem do Estado. Me pergunto quando os homens públicos que dirigem cidades acordarão para o fato de que é nelas que seus eleitores devem estabelecer suas rotinas sem sobressaltos.

E que isso se faz não atrás de cadeados e muros altos, mas no espaço que é para o convívio de todos. Segurança é a apropriação do espaço público pelos homens de bem e não pelos que se aproveitam do vácuo do poder público para roubar, depredar, sequestrar. Esse era para ser um artigo sobre a gestão das cidades e terminou num desabafo sobre meu sonho de bem viver. De lugares mais carinhosos onde pessoas possam residir em calma. De cidades que abracem seus moradores e nas quais eles possam namorar no meio da rua, levar seus filhos a parques que não fiquem a mais de dez minutos a pé de suas casas, pegar um ônibus confortável e chegar, mais rápido que num carro, a qualquer lugar que desejem. É uma ideia romântica, mas inteiramente factível. Essa é uma das coisas que aprendi e não esquecerei. A cidadania é possível e pulsa pedindo espaço na agressividade das metrópoles.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária