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RUÍNAS
"Bicho Geográfico" (2010), videoinstalação de
Caetano Dias, aborda as frestas da história da colonização

FRESTAS TRIENAL DE ARTES – O QUE SERIA DO MUNDO SEM AS COISAS QUE NÃO EXISTEM?
Sesc Sorocaba, SP até 8/2 • POIPOIDROME/ Sesc Sorocaba, SP/ até 3/5

De olhos bem abertos, o que vemos é um cenário desolador. Em ruínas, a finada Estrada de Ferro Sorocabana – construída em 1875 para transportar algodão de Sorocaba a São Paulo e que na virada do século XX serviu ao transporte de café e de passageiros entre inúmeras cidades do oeste paulista – atravessa melancolicamente o edifício histórico da Estação de Ferro de Sorocaba, hoje condenado. Agora feche os olhos e imagine a cena: estamos na Estação Sorocabana de São Paulo, no bairro da Luz, onde desde 1999 funciona a Sala São Paulo. Ouvimos o apito do trem e entramos na Maria Fumaça, que desliza sobre os trilhos restaurados do trecho SP-Sorocaba. Ao chegar a nosso destino, encontramos uma estação refeita e convertida na Pinacoteca de Sorocaba, com um acervo em construção de arte contemporânea. Sonho? Talvez. Mas “O que seria do mundo sem as coisas que não existem?” Esse é o título da primeira edição de “Frestas – Trienal de Artes”, projeto transdisciplinar realizado pelo Sesc, com curadoria de Josué Mattos.

“À primeira edição de qualquer projeto é dado o direito de sonhar, porque a história ainda não interpôs sobre ele os seus limites e as suas lacunas”, escreve o curador no texto de apresentação. Assim, com o cuidado de apresentar trabalhos que propõem escapes da realidade pragmática e objetiva, Mattos reuniu artistas de mais de 20 países em cinco espaços expositivos na cidade de Sorocaba, atingindo a grandeza de uma bienal do porte da de São Paulo. Mas, diferentemente da última edição da Bienal de SP, que também se propôs a falar de coisas que não existem, a Trienal Frestas, no frescor e no risco de sua primeira edição, lançando-se à especulação sobre o improvável e o utópico, chega a ser mais vigorosa e bem-sucedida do que a curadoria de Charles Esche para o evento paulistano.

Entre os espaços expositivos ocupados destaca-se o diálogo estabelecido entre as obras concebidas por Rochelle Costi e Laura Belém, entre outros, com o acervo histórico do Museu da Estrada de Ferro Sorocabana e moradores da cidade. Outro espaço de enorme impacto
é a ocupação provisória do estacionamento da sede do Sesc Sorocaba com dezenas de obras. Lá estão trabalhos potentes como o filme “Bicho Geográfico” (2010), do artista baiano Caetano Dias; a escultura de Romuald Hazoumé, da República do Benin; “Cantareira” (2014), desenho do pernambucano Kilian Glasner sobre a parede, criando a ilusão de uma represa ao mesmo tempo cheia e seca; ou os objetos surrealistas do colombiano Carlos Castro, entre os quais uma espiga de milho composta por dentes.

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TEMPO PERDIDO
Instalação de Laura Belém com objetos do
Museu da Estrada de Ferro Sorocabana

Interessante o modo como os trabalhos de Amilcar Packer e de Ana Teixeira se utilizam de jogos de palavras e da distribuição nos espaços. O primeiro inventa esquemas gráficos que discorrem sobre a origem das palavras e as relações entre nomes de coisas brasileiras, como a cachaça Cana Crioula e o álcool Zulu. Ao se debruçar nesse léxico de significados, Packer de certa forma evoca a identidade da nova Trienal Frestas, nomeada assim em homenagem à palavra Sorocaba, que em tupi-guarani quer dizer “terra rasgada”. Já Ana Teixeira teceu um poema espacial com as palavras Ainda, Mas, Aqui, Sim, Agora Não, Amanhã, Talvez, impressas em bancos distribuídos pelos vários espaços. Com essa proposição, Ana, além de lançar questões e enigmas aos visitantes, driblou muito bem a dificuldade de expor no edifício-sede do Sesc Sorocaba, que, apesar de recém-inaugurado, infelizmente, não tem um espaço expositivo projetado para esse fim. Em fevereiro, nova fase da exposição intitulada “Poipoidrome” (uma referência à obra homônima do artista francês Robert Filliou) ocupará o Sesc, junto a um simpósio internacional.

Fotos: Paula Alzugaray (Trienal)