Miryan Vogel senta-se no chão da sala do pequeno sítio de Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro, onde mora, e abre uma enorme sacola cheia de fotos da filha Nanda – a modelo Fernanda Vogel, 20 anos. É quarta-feira, 1 de agosto, dois dias antes da localização do corpo de Fernanda, morta na sexta-feira 27 de julho, na queda do helicóptero em que viajava com o namorado João Paulo Diniz, 37 anos. Enquanto conversa com a reportagem de ISTOÉ, a mãe abaixa a cabeça e desliza os dedos sobre algumas fotos. É uma cena que fala: Miryan acaricia a imagem como se fosse a própria filha. Um álbum meio amarelado mostra Miryan com um bebezinho robusto e rosado no colo, na porta da Casa de Saúde Santa Lúcia, em Botafogo, onde a modelo nasceu. “Disseram que ela nasceu em Itaboraí, mas não é verdade. Nanda nasceu aqui”, diz ela, apontando a imagem da clínica. Nanda é, Nanda está, Nanda faz… Ela só fala da filha usando verbos no tempo presente. “Para mim, tudo é possível, Deus é pai, não vai querer o sofrimento. Enquanto houver esperança de minha filha ser encontrada viva, vou me agarrar a ela”, afirma.

Buscas – A esperança de Miryan acabou na sexta-feira 3, quando os bombeiros encontraram o corpo de Fernanda. Estava na praia de Santiago, a 11 quilômetros de Maresias, São Sebastião, litoral norte de São Paulo, onde aconteceu o acidente, e distante apenas um quilômetro do local onde foi achado o corpo de Ronaldo Jorge Ribeiro, piloto do Agusta 109 Power, helicóptero em que viajavam João Paulo, Fernanda e o co-piloto Luiz Roberto de Araújo Cintra. Na mesma manhã, a equipe da escola de mergulho Vida Mares, coordenada por Vicente Albanez, a bordo do barco Canoa Dois, encontrou o helicóptero do Grupo Pão de Açúcar. A aeronave estava a 17,5 metros de profundidade, a 2,7 quilômetros da praia de Maresias. A escuridão da água não permitiu que Albanez visse muita coisa. “Apalpei, senti os bancos e percebi que o helicóptero não está muito avariado. Vi também os fios do rádio do painel”, conta. Os mergulhadores estudavam se haveria condições de içar o helicóptero.

É o fim de uma angústia que durou uma semana. Durante esse tempo, João Paulo Diniz ia e voltava a Maresias. Para acelerar as buscas, colocou um outro helicóptero do Grupo Pão de Açúcar à disposição da Defesa Civil de São Sebastião. Os 45 homens do 17º Grupamento de bombeiros percorriam diariamente a faixa de 30 quilômetros que vai de Maresias ao Canal de São Sebastião e também à costa de Ilha Bela (leia mapa). Os bombeiros acreditavam que, por ser mais leve do que o piloto, Fernanda deveria estar ainda mais longe do que ele.

Miryan continua a admirar o álbum de fotografia. As imagens vão se sobrepondo: Fernanda com a sua primeira fantasia de Carnaval, vestida de indiazinha, no primeiro aniversário, o segundo, o terceiro, o quarto… Estrela da casa, a menina reinou sozinha até 11 anos atrás, quando nasceu seu único irmão, Eduardo, o Duda. Lindo como ela, o garoto tem passado dias penosos. As irmãs de Miryan, Vera e Isabel, se revezam no sítio. Uma só vai embora quando a outra chega. E amigas e amigos, comissários de bordo da Varig como Miryan, dão apoio moral.

Mas nada pode aplacar o sofrimento dos pais. “Você não sabe o que é viver esse momento”, diz Miryan. “Estou falando com você, com a ISTOÉ, e será apenas com você porque não tenho condições de…” A frase, interrompida por Miryan, é completada pela irmã, Vera: “Ela não tem condições de falar duas vezes sobre esse assunto.” Preocupados com o profundo abatimento, a família contratou uma terapeuta que vai diariamente à casa.

Na sala, vários porta-retratos com fotos de Fernanda, orgulho de todos. “Minha filha é simplíssima, apaixonada pelo mundo, pela vida. Tem relacionamentos maravilhosos. O casamento com o Ike (Carlos Henrique Gomes, um dos donos da agência de modelos Mega) acabou, mas eles continuam amigos. Quanto ao João Paulo, sei que ela estava feliz com ele. Ela me disse que iriam à Grécia esta semana”, lembra Miryan. Perguntada se acha que o socorro poderia ter chegado mais rápido ao mar, a mãe diz: “Sei que, agora, todos os esforços estão sendo feitos. Mas me questiono muito: será que se fosse o João Paulo que tivesse ficado no lugar dela o socorro teria demorado tanto?”

Ninguém na família quer se manifestar sobre possíveis desdobramentos do acidente. Mas há indícios de que a revolta está reprimida. O pai, Jorge Luiz Fernandez de Medeiros, funcionário da Texaco, reconta a história com longas reticências: “Conversei com o João Paulo e ele ainda estava sob o impacto dos acontecimentos, mas descreveu um pouco o que se passou. Disse que estava lendo um jornal e que a Fernanda estava lendo uma revista na hora do acidente… Ninguém usava coletes salva-vidas. Mas eles existiam? E os bancos flutuantes? Por que não se agarraram a esses bancos? Ele disse que tentou ajudá-la, mas que ela sumia nas ondas… como?” Jorge está procurando entender o que aconteceu, em detalhes.

Não é só ele. O silêncio da família Diniz mantém a incerteza sobre o que aconteceu. João Paulo Diniz, um triatleta (participa de provas de natação, corrida e ciclismo), cronometrou o seu trajeto do local da queda até um ponto de luz que avistava na praia de Maresias (leia quadro com detalhes contados a Figueiredo por Diniz durante o vôo de reconstituição do acidente), segundo o chefe da Defesa Civil de São Sebastião, Luís Figueiredo. O objetivo seria calcular a distância entre o ponto da queda e a praia. O empresário e a namorada, que pretendiam passar o final de semana no litoral, só perceberam que havia algo de errado quando o helicóptero já estava na água. Nadando, ele permaneceu de mão dada com ela por cerca de dez minutos. Até que, pela força das ondas, as mãos se separaram. “Na escuridão das noites de chuva, não se enxerga um palmo adiante do nariz. Diniz fez bem em nadar para buscar ajuda”, explica o capitão do Corpo de Bombeiros de Maresias, Carlos Eduardo Smicelato.

Salva-vidas – O empresário sugeriu que os quatro tirassem as roupas para nadar melhor. Apesar de lógica, a proposta pode ser o que, segundo o irmão do piloto, acelerou o processo de hipotermia (perda de calor do corpo). “As roupas ajudam a proteger o corpo do frio e facilitam a flutuação”, lamentou Reinaldo Ribeiro, ex-funcionário do Departamento de Aviação Civil (DAC). Para ele, vôos à noite e sob forte chuva recomendam o uso de colete salva-vidas. “O DAC não obriga, mas não saio sem ele nessas condições climáticas.”

Ex-surfista, o pai de Fernanda sempre foi cauteloso. “O mar é traiçoeiro. Gostava de pegar onda até o dia em que ajudei a retirar da água dois jovens mortos. Nunca mais consegui ir além dos pontos em que meus pés alcançam o fundo do mar. E sempre dei conselhos para a Fernanda: “Minha filha, nunca se arrisque na água. Qualquer bobeira pode ser fatal”, diz Jorge. Ele afirma que Fernanda não era boa nadadora. “Entrevistaram uma professora que disse que ela nadava bem. Mas enfrentar o mar é bastante diferente de nadar em piscina”, esclarece o pai.

Fernanda teria dito ao co-piloto, que passava por ela no mar, que não aguentava mais bater as pernas e preferia esperar até que João Paulo trouxesse ajuda, conta Luiz Figueiredo, chefe da Defesa Civil. Para o sargento e mecânico de vôo José Alcântara, isso e a temperatura de 11 graus poderiam ter provocado câimbras, impedindo a modelo de nadar para a terra. “Correntes frias que se intercalam com a água podem ter baixado a temperatura a oito graus. Nesse caso, bastam 15 minutos para que os músculos se contraiam e a câimbra paralise os movimentos das pernas, provocando o afogamento”, explica Alcântara. Pessoas magras são mais vulneráveis a esse problema. “Quanto menor a massa corporal, mais rápido o corpo perde calorias”, ensina o tenente Igor Klein, do 17º Grupamento de Bombeiros.

Musculoso, e fora d’água em menos de uma hora e meia depois do acidente, João Paulo Diniz também passou maus bocados por causa do frio. “Ele tremia demais quando pediu ajuda para a gente”, recorda-se Paulo Sérgio Queiroz, caseiro do empresário Luiz Carlos de Oliveira, o primeiro a socorrer João Paulo. Foram provavelmente as luzes do quintal de Oliveira que conduziram Diniz até a areia, a 500 metros da casa de praia de sua família. Na casa do vizinho, o herdeiro do grupo Pão de Açúcar tomou um banho de 40 minutos e deu um telefonema ao pai, enquanto aguardava a equipe de resgate. Uma hora depois, o co-piloto Luiz Roberto Cintra conseguiu chegar à praia. Por volta das 21h30, as equipes de busca entravam em ação.

O fato de ter se salvado e deixado Fernanda no mar provocou indignação e dúvida. Será que a forma física de João Paulo não permitiria que ele salvasse a namorada? O médico fisiologista Paulo Zogaib, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que não. “João Paulo tinha capacidade física para nadar em situações predeterminadas, com um roteiro pronto. Não dá para admitir que por ser atleta poderia salvar todo mundo”, afirma. “Não é uma situação tranquila: a carga emocional, o frio, a força que se tem de fazer para carregar uma pessoa em pânico. Ele não estava capacitado para isso”, analisa o médico.

Revolta – Explicações técnicas não aplacam a revolta de pessoas ligadas a Fernanda. O ex-marido Carlos Henrique Cruz, o Ike, que teve um relacionamento de dois anos com a modelo, não se conforma. “Passei da emoção para a revolta. Penso que Fernanda estava naquela situação com três marmanjos que sabiam o que estavam fazendo, mas aquele não era o mundo dela. O mundo da Fernanda não era o de helicópteros particulares. Eles andam de helicóptero como se fosse de carro. Então negligenciam as normas de segurança”, diz Ike. Ele conta que Fernanda almoçou com uma amiga no dia do acidente e disse estar com medo. Ike vai mais longe: “Há um cinturão de silêncio. O texto é o mesmo, todos dizem a mesma coisa, com assessoria dos advogados, provavelmente”, indigna-se. “Fui casado com a Fernanda e tinha muito carinho por ela. Já pensei e repensei e digo com firmeza: se fosse eu, não ia ficar tomando banho quente durante uma hora sabendo que lá no mar tinha gente correndo risco de vida. Assim que botasse meu pé na areia, por mais debilitado que estivesse, ia gritar, pedir, implorar urgência, atitudes, sei lá.”

Como diretor da agência de modelos Mega, Ike assessorou a carreira de Fernanda – que, por decisão dela, começou cedo, aos dez anos. Morena, 1,75 m e famosa pelo busto irretocável em seus 90 cm, Fernanda Vogel estava no auge. Em julho, brilhou durante o SP Fashion Week. No Carnaval do ano passado, devido ao seus belos seios – sem silicone –, foi eleita musa do verão pela revista Trip. Foi também o começo de sua carreira internacional e de campanhas importantes como a do chocolate Prestígio e da cerveja Antarctica. Há seis meses decidiu mudar-se para São Paulo com a intenção de desenvolver a sua carreira. O casamento com Ike não resistiu à distância. Sozinha desde março, há dois meses começou a sair com João Paulo Diniz.

O sítio em que Fernanda morou dos 12 aos 18 anos fica numa rua sossegada, de casas simples. Um mundo harmônico, agora estilhaçado. Na sexta 3, o pai, Jorge Medeiros, mal conseguia expressar o seu sofrimento. Miryan, quando pensava na hipótese da perda da filha, dizia não querer que ela fosse fotografada morta. “Ela é diferente. Lembro-me que na Alemanha diziam que ela tinha uma beleza latina. Essa é a Fernanda Vogel.” É a imagem que ela quer que fique.

Colaboraram: Celina Côrtes e Sara Duarte
Capa: Produção: Lívia Mund; Cabelo e maquiagem: J. R. O. Santos; Modelos: José Luiz Carvalho (Ag. Leda Lacerda) e Luciana Silva Pires (ag. Model’s Bank); Agradecimentos: Hering e Antishock

 

Agradecimentos: Hércules e Alô Bebê

Perdas e ganhos
Enquanto os parentes de Fernanda Vogel e Ronaldo Ribeiro enfrentam a perda, nos EUA a família de Carolyn Bassette, mulher de John Kennedy Junior, lucra com a morte da moça. Em 1999, a queda de um avião sob o comando de John John matou Carolyn, sua irmã e o piloto, ainda inexperiente. A família Bassette conseguiu uma indenização de US$ 15 milhões. Aqui se fala em uma indenização de R$ 11 milhões para os Vogel