Em 1983, no início da gestão de Franco Montoro, o governo de São Paulo estranhou o elevado valor das contas telefônicas da Casa de Detenção. Uma rápida investigação descobriu que os presos usavam com frequência os telefones da administração. Para resolver o problema, foram instalados telefones públicos na prisão. Também na primeira metade dos anos 80, um relatório elaborado por uma comissão do Tribunal de Justiça atestou a existência de grupos organizados dentro dos presídios, que ameaçavam o controle do Estado sobre as carceragens. O documento recebeu o carimbo “confidencial”, foi engavetado e nesses 17 anos os quatro governadores que ocuparam o Palácio adotaram o mesmo discurso: “Em São Paulo não existe crime organizado.” Na última semana, o governador em exercício, Geraldo Alckmin, elegeu o telefone celular como o principal responsável pela maior rebelião da história do sistema carcerário brasileiro.

Marcos Mendes/AE
Na terça-feira 20, minutos depois de minuciosa revista, os presos exibem seus celulares no interior do Carandiru

No domingo 18, portando armas de fogo, granadas, estiletes e celulares, 28,3 mil detentos aproveitaram o dia da visita de familiares para fazer cerca de 13 mil reféns, em 29 prisões espalhadas por 22 cidades. O comando partiu da Casa de Detenção. A rebelião deixou 19 mortos, 77 feridos e ganhou destaque internacional, ocupando espaço em diversos jornais europeus. “Um dos mortos iria sair da cadeia em 20 dias”, afirmou Maria, mulher de um preso. “Fui bem tratada pelos presos, mas tive medo da polícia”, desabafou Eliane, mulher de um assaltante rebelado. “O movimento nos surpreendeu, não esperávamos encontrar tanta organização”, disse o secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. No segundo semestre do ano passado, ele recebeu do então juiz-corregedor Renato Talli um dossiê sobre as organizações criminosas instaladas nas prisões paulistas. O documento alertava sobre um certo PCC, Primeiro Comando da Capital. Na rebelião dos 13 mil reféns, os presos reivindicavam o retorno de cinco colegas, transferidos da Casa de Detenção para cadeias do interior (um deles para o Rio Grande do Sul). Os cinco são líderes do PCC. No Ministério da Justiça, a falta de informação do governo paulista sobre a organização dos presos assustou. “O governo federal não pode se omitir. Existe a Comissão Nacional de Política Penitenciária e o Departamento Penitenciário Nacional, que têm a obrigação de visitar e fiscalizar o sistema, mas se limitam a palpitar sobre a arquitetura dos presídios”, diz o juiz Walter Maierovitch, ex-presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes.

A rebelião terminou na tarde da segunda-feira 19 e para o governo ela foi um fracasso. “Eles saíram derrotados. Não houve nenhuma fuga e não atendemos às suas exigências”, comemorou o secretário de Segurança, Marco Vinícius Petrelluzzi. No dia seguinte, o governador Alckmin se reuniu com técnicos para tentar evitar que o sinal dos celulares fosse captado nos presídios. Um desejo tecnicamente impossível. Mais viável seria impedir que esses telefones entrassem na cadeia. Missão que também parece impossível. Na terça-feira 20, minutos depois de uma revista, os presos pousavam para fotos exibindo seus telefones móveis. “Creditar essa confusão ao uso dos celulares é minimizar um problema bem mais grave. A maior violência ainda está por vir”, diz padre Agostinho, que há 40 anos trabalha nas prisões. “Com a transferência dos líderes haverá uma matança entre os grupos rivais para ver quem ficará com a hegemonia”, explica.