Prensa Três
DOSTOIÉVSKI: tom farsesco e enredo engenhoso.

Invejoso e egoísta, charlatão e mistificador, cruel e inescrupuloso, o agregado Fomá Fomitch faz da exploração da ingenuidade e da ignorância alheias a sua razão de viver. Humilhado no passado, gosta de humilhar no presente. Semiculto num mundo de estúpidos e iletrados, exerce uma pequena tirania sobre todos à sua volta, principalmente o coronel Iegor Ilitch Rostaniov, em quem a bondade e a inocência se confundem com a tolice, de tanto que se deixa ludibriar. Eles são personagens de A aldeia de Stiepântchikov e seus habitantes (Nova Alexandria, 240 págs., R$ 26), romance de Fiódor M. Dostoiévski, traduzido pela primeira vez para o português diretamente do russo, mas não inédito no Brasil, pois integra o volume 1 das Obras completas do autor, lançado em 1963 pela editora Nova Aguilar com o nome de A granja de Stiepântchikov. Escrito em 1859 logo após o exílio de Dostoiévski na Sibéria, quando ele precisava reconquistar a atenção dos leitores – o que explica seu tom farsesco –, o texto apresenta um engenhoso enredo de intrigas e confusões. Gira em torno da família de um proprietário de terras cercado por parasitas e mostra não somente o talento de prosador satírico do escritor russo como marca seu amadurecimento.

Apesar do viés cômico e “popular”, a partir de A aldeia, Dostoiévski não será apenas um fabulista inventivo. O retrato de Fomá Fomitch é também um pretexto para reflexões sobre a ordem social e o caráter nacional russos e para uma investigação psicológica que, associada a questões metafísicas e religiosas, atingiria horizontes inimagináveis em seus grandes romances. Sem prejuízo do valor atemporal de sua obra, Dostoiévski usava sua ficção para participar dos debates políticos de seu tempo. Nacionalista e eslavófilo, ele também se opunha à assimilação cultural, para escândalo da intelectualidade revolucionária, que passou a vê-lo como um reacionário convicto. 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias