Depois de um ano e dez meses de canseira e uma série de embates perdidos para a equipe econômica, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, jogou a toalha. Entregou o cargo na terça-feira 24, derrotado nas suas principais bandeiras: uma reforma tributária mais ampla e um pacote de redução de impostos para estimular as exportações. A primeira jamais saiu do papel. A segunda – a compensação do custo de tributos embutido na cadeia produtiva de bens destinados à exportação – saiu pela metade, após um ano de discussão. Anunciada há 20 dias, a desoneração das exportações ficou menor do que queria Tápias. Nos dois casos, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, respaldado pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, deu a palavra final, sempre contrária a qualquer medida que coloque a arrecadação de impostos em risco. O substituto de Tápias, o embaixador Sérgio Amaral, é conciliador, tem grande afinidade com a área econômica e é amigo de Malan. Diplomaticamente, anunciou que o aumento das exportações é prioridade, mas sem jamais contrariar o colega da Fazenda. “Não farei nada incompatível com o equilíbrio macroeconômico, que é a condição de tudo”, declarou na quarta-feira 25, ainda em Londres, antes de embarcar para Brasília. Diz que pretende contar com “um pouquinho mais de generosidade” da equipe econômica. Com a escolha de Amaral, o recado de Fernando Henrique foi eloquente: abandona as aspirações desenvolvimentistas que alimentaram a criação do Ministério, em 1998. A tendência da pasta é tornar-se uma espécie de agência de promoção comercial.

Tápias entregou a carta de demissão no dia 7 de junho, mas o texto estava pronto há um mês. Agastado com mais uma pendenga com a equipe de Malan, desta vez em torno da redução das tarifas de importação para bens de informática e telecomunicações, o ministro trancou-se no banheiro do seu gabinete em São Paulo, no 13º andar do prédio que abriga o escritório do BNDES, e, com uma máquina de escrever portátil no colo, batucou a carta. Era uma crise crônica. Um mês antes, a Argentina havia zerado os impostos para esses produtos, aplicando um duro golpe na indústria brasileira. Tápias se exasperou ao se convencer de que, nos bastidores, enfrentava a resistência de dois colegas no seu esforço para proteger os fabricantes nacionais: Malan e Pedro Parente, ministro-chefe da Casa Civil. Tápias só não entregou imediatamente o cargo por temer que sua saída fosse associada à crise de energia, que acabava de estourar. A situação do ministro já era complicada desde o seu primeiro pedido de demissão em novembro, depois de um bate-boca com Everardo Maciel. A cada crise, sua diabete fugia do controle. Demissionário, Tápias ainda esperou mais 40 dias até que o presidente encontrasse um substituto. Antes de convidar Sérgio Amaral, FHC chegou a sondar um empresário paulista.

O ex-porta-voz de FHC foi recebido pelo empresariado com desconfiança. O presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Moreira Ferreira (PFL-SP), declarou sua preferência por Tápias. “Sérgio Amaral é mais afinado com a equipe econômica do que com o setor produtivo”, justificou. A Fiesp divulgou uma dura nota lamentando a saída do ministro. Já a CUT foi mais agressiva. “As decisões sobre a política econômica do País dependem só do Malan. Tanto faz Tápias ou Sérgio Amaral”, atacou o presidente da central, João Felício. O problema é que em um cenário de retração econômica, corte de gastos e juros altos não há espaço para incentivos à produção com benefícios fiscais. Sérgio Amaral já avisou que os exportadores terão que se contentar com o espaço aberto pela desvalorização cambial. A esperança é que, com a experiência na corte brasiliense e proximidade com FHC, o embaixador consiga tocar alguns projetos.

De volta aos braços do FMI
Finalmente o governo admitiu que está negociando um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional a partir de dezembro, quando o atual se expira. A equipe negociadora, coordenada pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, quer garantir o acesso a um empréstimo superior a US$ 15 bilhões, que funcionará como blindagem contra o agravamento da crise argentina. O objetivo é reduzir ao máximo a contaminação sobre a economia brasileira. Prevalece no mercado internacional a tradicional avaliação de que, na América Latina, Brasil e Argentina se misturam e têm riscos semelhantes. O ingresso de investimentos estrangeiros vem caindo ostensivamente: no primeiro semestre deste ano foram US$ 9,8 bilhões, 26% a menos do que no mesmo período do ano passado. De maio para junho, a queda foi de 50%. Um artigo elaborado pela Economist Intelligence Unit, ligada à revista britânica The Economist, incluiu o Brasil no grupo dos países emergentes que podem ter dificuldades para pagar suas dívidas externas, ao lado de Argentina e Turquia. A análise, divulgada na última semana, obrigou o Banco Central a disparar explicações às 20 mil instituições financeiras e investidores do mundo, através de seu boletim eletrônico. Na tentativa de dissociar o Brasil da Argentina, o governo brasileiro anunciou, na quarta-feira 25, novo corte no orçamento deste ano, de R$ 1 bilhão. O ministério da Fazenda quer fechar 2001 com uma sobra de caixa de mais de R$ 30 bilhões, equivalente a 3% do PIB. A tática é sinalizar uma política fiscal austera e tentar neutralizar os efeitos da disparada do dólar e o aumento dos juros, que devem fazer a dívida interna saltar de 49% para 53% do PIB no final do ano. O corte também ajuda nas negociações com o FMI. “O acordo com o fundo não é uma possibilidade. É uma certeza”, comemorava o presidente do BC, Armínio Fraga, na quinta-feira 26, depois das conversas em Washington. Mas um acordo com o fundo terá alto custo social, devido aos cortes de gastos e restrições no crescimento. Especula-se a necessidade de elevar o superávit nas contas do Tesouro Nacional para 4% do PIB no ano que vem. “É um aperto draconiano. O governo deveria espernear para conseguir condições melhores”, critica Guido Mantega, assessor econômico do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Mantega, que deu entrevista ao jornal Wall Street Journal sobre o programa econômico do PT, reconheceu, no entanto, que o novo acordo era inevitável.