A princesinha que espera ser salva pelo príncipe encantado já era. As meninas hoje estudam em outra cartilha: buscam a própria liberdade e, se for preciso, lutam sozinhas contra o dragão. Se aparecer um príncipe na trajetória, legal! Se não, tudo bem. Elas sabem ir atrás de um final feliz, em vez de esperar acontecer. Vale lembrar o filósofo italiano Norberto Bobbio. Num artigo sobre o novo milênio, ele afirmou que a grande e verdadeira revolução dos últimos séculos aconteceu com a mulher. A indústria de desenhos animados captou a mensagem e descobriu o sucesso com histórias infantis com meninas como heroínas – ativas, independentes, fortes, enfim, com todas as qualidades antes restritas aos heróis varonis. No cinema, filmes como Shrek, Anastácia, Mulan e Pocahontas mostram princesinhas arrojadas e destemidas. A tevê também fatura alto no ibope com produções como As meninas superpoderosas – o nome já diz tudo –, que em julho do ano que vem estréia nos cinemas. Os animes (desenhos animados japoneses) estão no filão: Sakura, a caçadora de cards é o carro-chefe. Depois de salvar o planeta em canal a cabo, ela agora arrebenta na tela da Globo.

Como ficará a nova geração de meninos e meninas criados sob essa influência? A psicoterapeuta Célia Argolo lembra que a indústria cultural não adianta uma mudança de comportamento, mas, ao contrário, reflete o que já acontece no mundo. “O cinema, a tevê, os livros estão apenas retratando a realidade”, sustenta. Embora o pano de fundo seja a liberação feminina, o homem – ou o garoto – está se livrando de um enorme peso, que é a obrigação de lutar sempre sozinho contra o mal. Prova disso é que, mesmo aquelas meninas que têm tudo para ser uma princesinha, fazem questão de mostrar uma personalidade forte. É o caso da modelo-mirim paulista Daniela Freitas dos Santos, 13 anos. “Não tenho nada a ver com princesa. Não sou delicadinha”, adianta. Ela troca o balé por futebol de rua, vôlei e bicicleta. E seus sonhos não se resumem ao altar. “Eu não penso em casar. Vou curtir a minha independência.” Para isso, Daniela junta o dinheiro que começou a ganhar aos nove anos, quando fez os primeiros trabalhos publicitários. Recentemente, derrotou 24 mil garotas inscritas no concurso de modelos da grife O bicho comeu e foi coroada vencedora ao lado de Preysla Silva, oito anos, e Victoria Frizzo, quatro. Acha que esse é um importante passo para a sua vida, que não inclui marido “porque é chato”, mas namorados, sim. Mas eles não podem ter olhos somente para a sua beleza. “O importante é ser legal.” E aceitá-la como é: “Por exemplo, agora, vou aprender a lutar caratê.”

Algumas vezes, Daniela pensa que o seu comportamento é atípico, mas logo ela vai perceber que está sintonizada com a sua geração. No Rio de Janeiro, Leo Miller, professor de krav-mangá, um tipo de defesa pessoal israelense, orienta turmas de alunas com média de 12 anos. As meninas querem resolver sozinhas paradas como “um menino chato que quer forçá-las a dançar numa festinha ou a inevitável briguinha com puxão de cabelo”. Uma das alunas, Karina Mayer, 12 anos, explica as suas intenções. “Posso me defender sozinha e ajudar alguém numa situação difícil, Antigamente, as meninas esperavam socorro dos garotos. Hoje, não. Tenho uma amiga que é faixa preta de judô”, conta. Karina diz que será uma mulher independente e batalhadora. Casar e ter filhos está nos seus planos. “É um projeto para o futuro. Beeeeeem futuro.”

Além da realidade
Fotos: Divulgação
 MULAN Para proteger seu velho pai, Mulan se veste de homem e vai para a guerra. Luta contra os hunos, salva o imperador, a Cidade Eterna e se torna heroína
 ANASTÁCIA Numa luta
contra o vilão, o mocinho
leva um sopapo e desmaia.
A princesa Anastácia derrota
o maligno e salva o herói
 POCAHONTAS Astuta, a índia americana encara a revolta da tribo, de seu pai, o grande chefe, e de seu pretendente para lutar pelo seu amor, um soldado inglês
 FIONA/SHREK Ela derrota sozinha um batalhão de soldados. Vítima de feitiço, é bonita de dia e feia à noite. No fim, ganha um beijo de amor que a livra de tal magia e adquire sua forma verdadeira: gordinha, verde, feia. Mas feliz. Fenômeno de bilheteria em todo o mundo, o filme Shrek foi visto no Brasil por 700 mil espectadores em apenas duas semanas