A maioria das pessoas reluta em tomar os remédios prescritos pelo médico e tem dificuldade em acatar as recomendações de mudança de hábitos. A postura está indicada em estudos de resultados inquietantes. Uma pesquisa americana feita pela Clínica Mayo, por exemplo, revelou que 76% dos pacientes não cumprem as orientações médicas. No Brasil, estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que apenas 22% dos doentes seguem as indicações, como os horários de tomar os remédios e alterações de estilo de vida. O estudo, conduzido por Agostinho Tavares, professor de nefrologia da Unifesp, chegou a essa conclusão depois de analisar as fichas de 1.200 pacientes que permaneceram por cerca de 180 dias em tratamento. O alto índice de infidelidade anuncia que muita gente sofrerá as consequências do tratamento mal feito. O agravamento dos sintomas é uma delas.

Os motivos que entravam a aderência estão sendo pesquisados. A grande dificuldade dos portadores de hipertensão, por exemplo, é entender por que devem engolir todo dia um ou mais comprimidos e sofrer com efeitos colaterais como náuseas para controlar um problema que não apresentou sintomas. A hipertensão só dá sinais quando está em fase avançada. Por isso, quem não sair da sala do médico convencido da gravidade dessa e de doenças crônicas como a diabete tem grandes chances de pular fora do receituário. Mas há mais fatores em jogo. Um deles é o receio de parecer diferente. No caso da diabete, em que uma parte dos doentes se aplica diariamente doses de insulina, estudos americanos mostram que a relutância em cumprir as regras atinge 50% dos pacientes diagnosticados. As crenças pessoais também atrapalham. A antropóloga Daniela Knauth, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, observou que a disciplina de um grupo de gestantes soropositivos para continuar a terapia anti-HIV, que depende do uso sistemático de medicamentos, diminuiu depois do parto. “Na gestação, a adesão chegava a 100%. Depois caiu. As mães acham que sua missão é cuidar do bebê e deixam de lado seu tratamento”, afirma. Uma das tentativas de reverter essa situação são os grupos de auto-ajuda criados no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. “A troca de vivências entre as gestantes e mães soropositivos ajuda a perceber que é necessário se tratar para cuidar do filho”, explica a antropóloga Daniela.

De fato, a informação e a motivação são antídotos contra a evasão do tratamento. Parte dessa injeção de ânimo pode ser dada nas consultas. No entanto, nem todos os especialistas que têm disponibilidade para conversar até que o doente entenda a importância de seguir as recomendações. “O médico tem de explicar de novo até ter certeza de que suas orientações foram compreendidas”, defende o endocrinologista Antônio Roberto Chacra. É um passo e tanto, até porque muita gente chega na farmácia sem ter idéia da dose que vai tomar ou da ação do remédio. “Tem gente que acha que o remédio vai curar sintomas que nada têm a ver com o tratamento e acaba se frustrando”, alerta o nefrologista Tavares. Atento ao problema, ele pede aos pacientes que levem a caixinha do remédio na consulta de retorno. É uma forma de investigar se o remédio foi mesmo tomado. Ele também convida o paciente a participar das decisões para aumentar seu compromisso com a própria saúde. “Ensino a medir a pressão arterial e a glicemia (taxa de açúcar no sangue). Assim eles podem avaliar o efeito do tratamento”, diz o nefrologista. “Também é importante simplificar os esquemas de medicação”, lembra Chacra. Nesse esforço para facilitar a ingestão de remédios, o governo dos Estados Unidos aprovou na semana passada uma versão do Prozac para ser tomado uma vez por semana. Entretanto, as autoridades americanas ainda não sabem se o efeito do antidepressivo será o mesmo obtido com o Prozac ingerido diariamente.