O boletim do menino-prodígio da economia mundial já não é o mesmo. No dia 22 de fevereiro, a agência de classificação de risco de crédito Standard & Poor’s rebaixou os títulos do governo japonês de AAA para AA. A Moody’s, mais severa, já os tinha revisto para baixo, de AAA para AA1, em novembro de 1998, e de AA1 para AA2, em setembro de 2000. Mais do que embaraçoso para uma superpotência econômica que, até a década de 80, era vista pelos próprios americanos como um sério concorrente à sua hegemonia mundial. A popularidade do primeiro-ministro Yoshiro Mori caiu para ridículos 6,5% e as Bolsas japonesas atingiram seu ponto mais baixo em 15 anos.

Essas agências não são conhecidas pela ousadia de suas análises: sempre correm atrás do consenso aparente – certo ou errado – dos financistas internacionais. Hoje, o consenso parece ser que o Japão falhou por lhe faltar uma Thatcher ou um Reagan para aplicar um choque neoliberal. Não seguiu o receituário que manda deixar falir as empresas em dificuldades, reformar drasticamente o setor financeiro e abrir o mercado interno às importações e ao capital estrangeiro, custe o que custar para setores atrasados como o varejo e a agricultura.

Parte desses conselhos é do tipo “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”: os EUA não hesitam em subsidiar seu setor financeiro quando em apuros (como na crise do seu sistema de poupança nos anos 80) nem em proteger seus setores frágeis da concorrência internacional – bloqueando, por exemplo, importações de aço japonês e brasileiro. Outra parte é do tipo “mais fácil dizer do que fazer”: querendo ou não, não é possível transformar o culto japonês do consenso em individualismo anglo-saxão da noite para o dia. Seria preciso uma revolução cultural mais impiedosa do que a tentada na China nos anos 60 pela guarda vermelha maoísta.

Outra visão, keynesiana, é de que o Japão caiu numa armadilha. O estouro da bolha especulativa dos anos 80 deu a partida num círculo vicioso que faz os japoneses temerem cada vez mais o futuro, pouparem cada vez mais e consumirem cada vez menos. Isso bloqueia a recuperação do mercado interno por mais que o governo tente estimulá-lo pelas vias tradicionais, isto é, endividando-se e baixando juros e impostos. O remédio sugerido, neste caso, é uma inflação suficientemente alta para desestimular a poupança – uma heresia tão impensável para os financistas internacionais quanto para o Banco Central japonês.

Sem se atrever a seguir as recomendações drásticas dos observadores estrangeiros nem a formular outra estratégia, o Japão continua atolado há mais de uma década, frustrando regularmente os que acreditam nas autoridades japonesas quando dizem que “desta vez” estão no caminho de uma recuperação sustentável. Mas agora o cenário ficou mais crítico: os EUA, que absorvem 30% das exportações japonesas, estão à beira da recessão e suas empresas de alta tecnologia, principais clientes da indústria eletrônica japonesa e asiática, estão suspendendo investimentos devido ao colapso da bolha da Nasdaq. Em vez de liderar a recuperação asiática, o Japão corre o risco de aprofundar os efeitos da crise americana e intensificar seus efeitos sobre a economia global.