A estratégia montada pelo senador Jader Barbalho (PMDB-PA) para se defender das inúmeras acusações de desvio do dinheiro público está naufragando. Durante anos o técnico em informática Nivaldo Marinho foi o braço direito do deputado estadual Mário Frota (PDT-AM). No início de 1999, os dois se desentenderam e esse rompimento trouxe à tona os testemunhos indispensáveis para detalhar um esquema de propinas e favorecimentos nos financiamentos de projetos na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). “Foi cobrando propinas de empresários que tinham projetos na Sudam que o deputado fez sua campanha de 1998 e ainda sobrou dinheiro”, afirma Marinho. “Ele falava frequentemente com o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) sobre as liberações de recursos e na época conversava comigo abertamente sobre isso”, contou. De 1995 até meados de 1998, Frota foi o coordenador do escritório da Sudam em Manaus. “A Sudam era uma podridão. A propina era a regra. Para ter um projeto aprovado, os empresários tinham que ir a Belém (PA) e pagar vários pedágios, tanto para os funcionários de baixo escalão como para a cúpula do ex-superintendente José Arthur Tourinho, que me tratava muito mal. Cheguei a telefonar para o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e reclamar, mas ele estava na Europa. O Tourinho fazia tudo o que Jader mandava”, afirmou Frota a ISTOÉ na quinta-feira 26.

Em uma entrevista gravada de quase duas horas, o deputado explicou que foi indicado para o cargo na Sudam pelo senador Bernardo Cabral (PFL-AM) e pela bancada do Amazonas no Congresso. “Essa indicação garantia meu emprego, mas apesar do cargo eu era apenas um figurante. Não tinha poder de decisão algum”, relatou. Segundo o deputado, diversos projetos, muitos de empresários de Belém, foram implantados no interior do Amazonas, sem que ele ao menos tivesse conhecimento. “O pacote vinha pronto do gabinete do Tourinho, já com a verba liberada. Muitos nem sequer foram implantados. Eram projetos de até R$ 200 milhões, como é o caso do World Trade Center.” Trata-se de um hotel cinco estrelas que deveria ser implantado nas margens do rio Tarumã, mas que até hoje não saiu do papel.

Frota explicou ainda que, apesar de estar em Belém, a mais de cinco mil quilômetros de Manaus, era Tourinho quem centralizava os fiscais responsáveis pelo acompanhamento da implantação dos projetos. “Era comum esses fiscais saírem do Amazonas carregados de presentes e até de dinheiro dado pelos donos dos projetos fiscalizados”, lembra o deputado. Frota assegura que chegou a pedir a Tourinho que desse um aumento salarial aos fiscais para tentar evitar a corrupção. “Ele simplesmente respondeu que esse era um problema do governo federal.” O ex-coordenador do escritório da Sudam no Amazonas define como “coitadinhos” os empresários que apresentavam suas propostas. “O primeiro achaque era feito pelos técnicos, que pediam dinheiro para acelerar o andamento dos processos. Quando chegava na pauta do conselho de liberação é que vinham os achaques milionários. Aí não paravam mais, mesmo depois de aprovados”, disse Frota. “A cada etapa da liberação de recursos, a Sudam criava um obstáculo diferente. Às vezes era um documento, um laudo técnico ou coisas desse tipo. A ordem era criar dificuldades para vender facilidades. O esquema em Belém era muito pesado”, explicou.

O deputado Frota recordou-se de um caso em que tentou evitar o que chama de fraude. Tratava-se de um projeto da empresa SR Produtos Hospitalares. Empresários do Amazonas foram a Belém e deram entrada em um processo pedindo R$ 67 milhões. “Antes de o projeto ser aprovado recebi um telefonema de uma mulher dizendo que era falcatrua e tudo já estava acertado com o Tourinho. Consegui que um dos conselheiros pedisse vista ao projeto e assim dificultamos o esquema. Apesar disso, a Sudam aprovou uma liberação de R$ 49 milhões. Foi um golpe. Os empresários chegaram a receber R$ 26 milhões em dois anos apenas para importar seringas descartáveis e embalá-las em Manaus. No final de dois anos a empresa faliu e o dinheiro sumiu.”

Outra armadilha que, segundo Frota, Tourinho impunha aos empresários que buscassem recursos da Sudam era a do intermediário. “Quando o sujeito chegava na sede da superintendência em Belém, o próprio Tourinho e seus auxiliares faziam questão de encaminhá-lo a Geraldo Pinto da Silva, para que este funcionasse como procurador dos projetos”, afirma o deputado. Geraldo é um antigo conhecido da Polícia Federal, apontado como um dos maiores fraudadores da Sudam. O delegado Hélbio Dias Leite, da PF em Tocantins, que preside atualmente 17 inquéritos sobre fraudes no extinto órgão, apreendeu com Geraldo duas agendas. Uma de 1997 e outra de 1998. Nelas está registrado o dia-a-dia do procurador que Tourinho indicava aos empresários. Os registros são tão precisos que chamaram a atenção do delegado. Estão apontados valores pagos a título de comissão, datas de depósitos bancários, reuniões com Tourinho e acertos de projetos feitos em Brasília, Belém e outros Estados.

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Telhado de vidro – O delegado considerou, diante da precisão das anotações, as agendas como provas das irregularidades ocorridas na Sudam. É que, ao lado das anotações de reuniões em órgãos públicos, o procurador anexava o selo usados por ele para circular livremente pelas repartições visitadas. Há inúmeros selos de visitante do Senado. Na última semana, o delegado expediu ofícios convocando parlamentares, empresários e funcionários da Sudam para que esclareçam as revelações feitas por Frota e seu antigo assessor. Entre os convocados estão o senador Jader Barbalho, o deputado Mário Frota, Tourinho e os empresários envolvidos no escândalo. “Não importa o cargo ou prestígio político. Vou ouvir a todos, sem me constranger”, diz Hélbio Leite.

As revelações do deputado Mário Frota são importantes e complicam ainda mais a situação do senador Jader Barbalho no Conselho de Ética do Senado. Frota só resolveu contar alguma coisa do que sabe depois que seu antigo braço direito, o técnico em informática Nivaldo Marinho, decidiu divulgar o conteúdo de uma fita que registra uma conversa do deputado com o empresário David Benayon, gravada pelo próprio Marinho em agosto de 1998, na casa de Frota. “Coloquei o gravador ao lado de um fax sobre a escrivaninha. Saí da sala e voltei quando percebi que ele já havia terminado a conversa”, conta Nivaldo. O diálogo publicado na última edição de ISTOÉ mostra que Frota também se beneficiou do esquema de propinas da Sudam. Em determinado momento da conversa, o deputado diz a Benayon que o senador Jader Barbalho exigia R$ 5 milhões para que Tourinho liberasse um projeto de R$ 40 milhões. Jader nega tudo e na semana passada interpelou judicialmente o deputado. Frota, apesar de admitir todo o esquema de corrupção na superintendência em que trabalhava, nega que a voz gravada na fita seja dele. O problema é que além da fita de Marinho existe uma agenda da campanha de Frota em 1998. As declarações do ex-assessor são contundentes. Elas demonstram que o deputado tentou montar o seu próprio esquema dentro da Sudam, mas acabou tendo de se curvar a Jader. “Ele prometeu agilizar o projeto do Benayon dentro da Sudam, mas pediu R$ 3 milhões”, diz. “O deputado falou para o empresário que precisava do dinheiro para a campanha, pois se não conseguisse se eleger estaria liquidado politicamente.” Marinho explica que apesar do empenho, Frota precisou recorrer a Jader para conseguir liberar o projeto de Benayon. “Quando o Jader soube do caso, a propina subiu para R$ 5 milhões. É isso que os dois estão conversando na fita”, afirma.

O projeto foi liberado mas jamais implantado, embora Benayon tenha recebido parte dos R$ 40 milhões. A propina também foi paga. Oficialmente, Frota diz que não recebeu nada e que Benayon, como é seu amigo de infância, contribuiu com cerca de R$ 10 mil para a sua eleição. A agenda de campanha do deputado, porém, mostra outra coisa. Trata-se de uma agenda surrada de 1997, mas usada por Marinho apenas no ano seguinte. “Tudo o que ele pedia eu marcava nessa agenda”, diz o antigo assessor. Em um sábado do mês de setembro está escrito: “Confirmar com dr. Benayon se os 20 mil para o Chico do Incra está (sic) seguro.” Na sexta-feira anterior está registrado: “David vai repassar dinheiro para o Rodolpho.” No dia anterior há outra anotação: “Confirmar horário para pegar dinheiro com o dr. Benayon para pagar o avião para Coari.” Frota também é amigo de infância de um primo de David, Tocandira Benayon, empresário com interesses na Sudam, sempre intermediados pelo deputado. Na agenda de Marinho, o nome de Tocandira aparece inúmeras vezes referindo-se a pagamentos de terceiros. “Muitas vezes presenciei o deputado buscar pacotes de dinheiro com os Benayon”, lembra o ex-assessor. “Normalmente, eles se encontravam no escritório da loja Ferrajão Materiais de Construção, cujo proprietário era Rodolpho Sham, ex-cunhado de Frota.”

Contribuições – Além das despesas de campanha, segundo Marinho, os primos Benayon costumavam dar presentes milionários ao deputado Mário Frota. De um deles o ex-assessor se recorda em detalhes. Trata-se de motores Volvo Penta para uma lancha de 32 pés. “Os motores estavam velhos e o deputado resolveu colocar outros dois novos. Eles foram comprados na Importadora Amazonáutica e custaram US$ 58 mil. Lembro que quando fez a compra o deputado virou-se para mim e disse que havia ganho os motores do David Benayon”, afirma Marinho. Frota confirma a compra e o valor pago pelos motores, mas diz que pagou com parte do dinheiro da venda de um terreno para seu pai. O problema dessa versão é que a transação com o tal terreno não está registrada em nenhum cartório. Marinho diz que o dinheiro recebido por Frota nem sempre ficava em suas contas. “Para não deixar pistas, ele costuma movimentar seus recursos através do ex-cunhado Sham, da irmã Liliam e do sobrinho Wagner”, assegura o ex-assessor.

Na última semana, o deputado Frota tentou se defender de todas as formas. Chegou até a dizer que colocaria seus sigilos bancário, telefônico e fiscal à disposição da Procuradoria da República e encaminhou ao procurador Sérgio Lauria Ferreira uma representação contra seu ex-colaborador. Sua situação no Amazonas, porém, está muito desconfortável. Na Assembléia Legislativa existe o entendimento de que seu envolvimento com as propinas da Sudam merece uma Comissão Parlamentar de Inquérito que certamente levará à cassação de seu mandato. Já o depoimento de Frota na Comissão de Ética do Senado contribuirá para que os senadores formem convicção semelhante em relação ao mandato de Jader Barbalho.

Uma semana de grandes derrotas

A semana começou mal e terminou ainda pior para Jader Barbalho. Na segunda-feira 23, o procurador-geral Geraldo Brindeiro anunciou que pediria ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito criminal contra o senador licenciado por causa dos casos do Banpará e da fraude dos TDAs. A carga do procurador-geral contra o senador paraense continuou no dia seguinte. Ao saber que os advogados de Jader haviam feito nova petição ao Supremo contra a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, Brindeiro afirmou que havia “suspeita razoável do envolvimento do senador Jader Barbalho em crime”. Para o procurador-geral, a resistência do parlamentar e de familiares à quebra dos sigilos reforçava a suspeita sobre seu envolvimento nas irregularidades. Além de mudar radicalmente de posição, Brindeiro insistiu com o ministro Ilmar Galvão, vice-presidente do STF, de plantão na semana, para a abertura imediata de processo contra Jader. Galvão acabou sendo o único a dar algum refresco a Jader, ao adiar para esta semana a decisão sobre o processo. Ilmar preferiu esperar o fim do recesso do Judiciário, quando o pedido de Brindeiro será apreciado por outro ministro. Mas o cerco das investigações contra Jader não se resumiu a Brindeiro. O delegado Hélbio Dias Leite, que investiga o desvio de recursos da Sudam, quer que Jader se explique sobre as denúncias de cobrança de propina para liberação de verbas da Sudam, publicadas por ISTOÉ.

Mas o pior para Jader aconteceu no Congresso. Na quarta-feira 25, os líderes dos partidos no Senado abandonaram de vez o parlamentar ao decidirem autorizar o STF a processar Jader, caso o tribunal encaminhe pedido nesse sentido. Nem o PMDB, através do líder Renan Calheiros, fez qualquer esforço para livrar o correligionário das investigações. Renan afirmou que, quando o pedido do Supremo para instauração de inquérito chegar ao Congresso, será aprovado pelo partido “quase que online”. Enquanto os senadores lavavam as mãos e se preparavam para entregar Jader às feras, ele tentou, em entrevista à Rede Globo, se defender. Repetindo os mesmos argumentos de que já tinha sido inocentado pelo Banco Central no caso do Banpará, Jader fez ironias ao comparar os fatos dos quais é acusado com os escândalos dos bancos Marka e FonteCindam e com os das privatizações. “Parece que o grande escândalo deste país se chama Jader Barbalho”, disse. Quanto à decisão tomada pela juíza Rosileide Cunha Barros, da 15ª Vara Cível do Pará, determinando que Jader tenha acesso ao relatório completo do BC sobre o Banpará, está sendo contestada pelo Ministério Público, que entrou com recurso contra a decisão.

Eduardo Hollanda


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