O barco tucano não conta mais com a sua bússola. Com o governador Mário Covas alijado do cenário político, o PSDB está sem sua consciência crítica. Os tucanos passaram a sentir, mais do que nunca, a agonia de ver que a estrela de Covas se apaga. O vozeirão do governador sempre ecoou País afora, a partir de São Paulo, influenciando os rumos do partido, puxando-o para suas raízes social-democratas. Agora que o comandante está afastado, os tucanos terão que pegar no leme, decidir que direção dar ao PSDB, digerir suas divergências internas, sem sua maior referência. Com a chama de Covas esmaecida, muita coisa muda dentro do partido do presidente Fernando Henrique Cardoso e consequentemente na política nacional, refletindo na sucessão presidencial de 2002. Afinal, o governador paulista era o principal articulador da candidatura do governador do Ceará, Tasso Jereissati. Sem Covas para fazer sua campanha, Tasso perde fôlego e o ministro da Saúde, José Serra, ganha terreno.

A importância de Covas pode ser medida pela comoção nacional diante de seu gravíssimo quadro de saúde. Com sua dignidade incontestável, ele é um dos poucos homens públicos que conseguem derrubar a tese de que todos os políticos são iguais. Um adesivo colado na parede do Incor resume: “Covas, um exemplo de coragem.” O hospital se transformou em um verdadeiro palco de uma romaria eclética em solidariedade ao governador: sindicalistas, artistas, religiosos, admiradores e políticos dos mais variados matizes – do petista Luiz Inácio Lula da Silva ao adversário Paulo Maluf (PPB). Apenas a mulher, Lila, e os filhos Renata e Mário Covas Neto, o Zuzinha, passaram a semana no quarto do governador, que pediu aos médicos para não ficar na UTI. Poucos políticos tiveram acesso ao sexto andar no Incor, como FHC e Geraldo Alckmin. Foi ao governador em exercício que Covas deixou o recado: “Você administra o governo que eu administro a minha passagem para uma vida melhor.” Ao médico David Uip perguntou: “Quando vou embora? Vou trabalhar ou não?” Os médicos se impressionaram com a perseverança do governador: “Ele é um guerreiro”, elogiou Uip.

A mesma dose de coragem demonstrada por Covas durante os dois anos de luta contra o câncer tem se repetido na arena política. Uma coragem evidenciada desde a liderança no combate à ditadura militar, passando pela resistência a que tucanos viessem a integrar o governo de Fernando Collor de Mello, até as frequentes críticas ao governo federal. Dono de um humor ferino, de um temperamento tão quente quanto a sua ascendência espanhola e de uma sinceridade cortante, Covas sempre fitou sem medo seus adversários mais agressivos e discordou publicamente de seus colegas de partido. Submissão é uma palavra que nunca constou de seu dicionário. Explosivo, ele sempre comprou todo tipo de briga, reagindo intempestivamente às vaias e aos manifestantes. No ano passado, por exemplo, chegou a atravessar um acampamento de professores em greve, na praça da República, para mostrar que ninguém o impedia de entrar na Secretaria de Educação pela porta da frente. Resultado: saiu de lá com um corte na boca e um galo na cabeça. “O Covas é dez em caráter e zero em temperamento”, já havia definido o ex-governador Franco Montoro.