Fotos: Ricardo Giraldez
O Gandhy é a síntese do que se tornou o Carnaval da Bahia

Os Filhos de Gandhy trazem agora, o branco da Paz, Brilhante! O branco da Paz, Brilhante! O poder avassalador da grana que ergue e destrói coisas belas não poupa ninguém. O jingle acima foi gravado pelos Filhos de Gandhy, uma das entidades mais tradicionais e respeitadas do Carnaval baiano. A propaganda do sabão em pó era tocada à exaustão nos minutos antecedentes aos desfiles do bloco pelas ruas e ladeiras de Salvador. O Gandhy é a síntese do que se transformou o Carnaval baiano: organizado, profissional e, sobretudo, milionário.

O povo ainda é o senhor soberano da folia. Mas está cada vez mais espremido pelas cordas dos grandes blocos e vendo pelo binóculo o beautifull people dos suntuosos e descolados camarotes. Na estrutura da grande festa baiana, quem não se profissionaliza está condenado à extinção. Além do Gandhy, outros blocos que se confundem com o próprio Carnaval, como Olodum e Ilê Ayê, também correram atrás do dinheiro das grandes empresas. “Nossos associados têm renda per capita pequena. É gente humilde, a maioria da comunidade daqui do Pelourinho. Sem patrocínio, não seria possível colocar o nosso bloco na rua”, revela o presidente dos Filhos de Gandhy, Agnaldo Silva, 51 anos. O Afoxé tem cerca de 14.500 sócios. Apenas metade deles paga os R$ 5 de mensalidade. Assim, seria impossível bancar, com recursos próprios, os R$ 530 mil necessários para botar o bloco na rua.

A profissionalização está diretamente relacionada ao aumento de interesse do público pela festa. Mais de 900 mil turistas passaram por Salvador neste Carnaval. Destes, 100 mil estrangeiros. A cidade recebeu quase 400 mil visitantes a mais do que o Rio de Janeiro. Boa parte dessa multidão vem no embalo das verdadeiras empresas carnavalescas em que se transformaram alguns blocos baianos. Camaleão, Cheiro de Amor, InterAsa, Tchan e Beijo são os maiores. O esquema é altamente profissional. Os blocos possuem representantes nas principais capitais brasileiras. Há também parcerias com grandes agências de turismo. Os abadás, aquelas camisetas que são a senha de entrada nos desfiles, transformaram-se em mais um item nos pacotes de Carnaval. O preço desses simplórios trajes é alto. Para ir no embalo de Chiclete com Banana, Asa de Águia e Banda Beijo, por exemplo, o folião paga entre R$ 600 e R$ 800. Nos dias de folia, a peça chega a custar R$ 1.400 no mercado negro. Assim, fica fácil entender por que os turistas são a maioria esmagadora nesses blocos. “O empresário tomou o lugar do músico. O Carnaval perdeu um pouco da espontaneidade. Virou espetáculo, mídia”, diz Armandinho, filho do lendário Osmar Macedo, que, ao lado de Dodô, reinventou o Carnaval da Bahia ao instalar microfone e alto-falante em uma velha charanga Ford. Dificuldades financeiras quase o tiraram da avenida em anos passados. Neste Carnaval, o patrocínio da Ford permitiu ao filho da lenda que pusesse seu bloco na rua sem abadás e cordas. A musa Daniela Mercury promete fazer o mesmo no ano que vem.

O business torna-se mais visível nos sofisticados camarotes instalados no circuito Dodô, no percurso entre o Farol da Barra e Ondina, um dos pontos mais valorizados de Salvador. Eles não devem nada aos mais badalados e caros pontos de agito do Rio e de São Paulo. Pistas de dança, salões de cabeleireiro, lounges e outras mordomias estavam à mão de famosos e convidados dos patrocinadores. Os melhores eram o Expresso 2222, de Flora e Gilberto Gil, o de Daniela Mercury e o Zip.Net, do empresário baiano e namorado da bela Luana Piovani, Cristiano Rangel. No camarote de Rangel, o pacote dos cinco dias de festa custava R$ 800, com direito a uísque, cerveja e os mais variados tipos de comida à vontade. “Os camarotes vieram para preencher o lugar dos clubes. É uma opção a mais no Carnaval. É caro, assim como desfilar no Asa de Águia e Chiclete”, defende-se Rangel. Os camarotes de Daniela e Gil foram bancados pelos patrocinadores. O acesso era restrito a convidados, que não desembolsavam um tostão sequer para comer do bom e do melhor e desfrutar da companhia de beldades como Vanessa Mesquita, Carlos Casagrande e Feiticeira. Esses felizes mortais não tiveram do que reclamar.