Saudada pelo escritor Fernando Morais, profundo conhecedor da história cubana, como “o fim da Guerra Fria”, a decisão dos governos de Barack Obama e Raúl Castro de retomar relações diplomáticas tem um gigantesco significado político para a América Latina e, em especial, para o Brasil. Ao desafiar a oposição republicana, Obama cedeu diante de uma evidência óbvia: os 50 anos de isolamento imposto a Havana não atingiram a sua meta não declarada, que era promover uma mudança de regime na Ilha – os Castro resistiram a nada menos que dez presidentes americanos.

O passo seguinte, inevitável, será o fim do embargo econômico, que poderá gerar grandes benefícios para o Brasil. Depois de financiar o porto de Mariel, o País está extremamente bem posicionado para aproveitar o fluxo de comércio crescente entre os dois países, podendo criar, em Cuba, um poderoso entreposto para exportação de produtos brasileiros. Os americanos, por sua vez, serão tentados a relançar um projeto de livre-comércio nas Américas, no momento em que várias economias da região enfrentam dificuldades. A decisão é, de fato, histórica e foi saudada por empresários brasileiros. Paulo Skaf, presidente da Fiesp, divulgou um estudo prevendo que o PIB per capita dos cubanos irá dobrar em dez anos. Segundo a entidade, o Brasil deverá intensificar sua relação com Cuba, um país que, segundo a Fiesp, já dispõe de um bom capital humano, com fortes indicadores nas áreas de saúde e educação. Outro ganho colateral será a redução do preconceito de segmentos da sociedade brasileira em relação a cubanos, como se nota no caso do programa Mais Médicos.

Dito isso, é também necessário enxergar que, se a Guerra Fria do século passado chega ao fim, novas tensões, com os mesmos protagonistas, ganham dimensão. Um dia depois de reatar com Havana, Obama assinou um novo pacote de sanções contra a Rússia, em represália à anexação da Crimeia. Além disso, nunca é demais lembrar que a mudança de regime na Ucrânia foi claramente apoiada pelos Estados Unidos. Obama derrubou um muro em suas relações com a América Latina, mas é também evidente que os Estados Unidos não veem com bons olhos iniciativas como o fortalecimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que, na última cúpula de Fortaleza, assumiram compromissos relevantes, como a decisão de criar um banco de desenvolvimento. A reabertura das pontes com Havana se insere nesse contexto – num mundo multipolar, os americanos buscam retomar influência no próprio continente.