Poucos minutos de conversa com Arlete Salles são suficientes para que o interlocutor se flagre pensando numa obviedade: como são mutantes os artistas. Em sua casa — casa mesmo, de três andares, numa vila no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro —, cercada de cachorros, plantas e livros, Arlete se mostra delicada e sorridente. O oposto da arrogante Augusta Eugênia Proença de Assunção, seu papel na novela global Porto dos Milagres — mulher preconceituosa, autoritária, sem ética, mas que tem agradado em cheio ao público, principalmente pela maneira com que Arlete Salles entendeu a personagem dando-lhe cor e humor. “Ela é uma louca, exacerbada, delirante, mas tem o respaldo da comédia”, explica Arlete. Modesta, a atriz conta que teve sorte porque os autores Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares entregaram a malvada já desenhada com muita clareza. “A teledramartugia está outra vez com impulso, vigor”, comemora a atriz. E arremata, esculpindo uma frase determinante: “Novela é o grande teatro doméstico no Brasil.”

No teatro convencional, a atriz engatou três parcerias bem-sucedidas com o autor e ator Miguel Falabella. Ele no texto, ela no palco. A dupla brilhou em Todo mundo sabe que todo mundo sabe, A partilha e, agora, estão em cartaz com A vida passa, continuação de A partilha. Arlete aproveita o sucesso e faz planos para uma turnê nacional – que só poderá acontecer nos fins de semana, enquanto estiver gravando Porto dos Milagres. A previsão é a de que o novo espetáculo chegue a São Paulo no mês de maio. Um próximo projeto cênico já está engatilhado. Ela e Marília Pêra vão trabalhar juntas no palco pela primeira vez, apesar da amizade antiga. Já debruçadas sobre vários textos, a dupla pretende selecionar um que una boa história com papéis igualmente bons para as duas estrelas. “Marília é referência profissional, querida amiga, profunda admiração”, derrete-se a colega.

Não é só no palco ou na telinha que Arlete desfruta seus melhores momentos. Há dez anos cortou o cigarro e reserva ao vinho só os momentos especiais. Quanto ao amor, é enigmática. “Não estou casada. Não estou solteira. Estou feliz”, diz, com a peculiar discrição. Este traço de personalidade a fez guardar durante anos o que classifica como a pior fase de sua vida. Arlete teve a doença do pânico, que a acometeu de forma grave, quando tinha cerca de 40 anos. “Eu entristeci, tive depressão aguda e pânico. Foi o pior momento da minha existência e deve ser o de qualquer pessoa que tenha passado por isso”, confessa. Na época, recorreu à psicanálise e ao tratamento médico. “Precisei seriamente de ajuda”, lembra. Hoje, em alguns momentos segreda que flashes da doença reaparecem. Mas agora sabe como lidar com ela. Sem jamais confessar a idade, sempre magra, bronzeada, com os cabelos eterna e falsamente louros, já que é originariamente morena, ela procura manter a forma se alimentando à base de grelhados, saladas e fazendo caminhadas diárias em torno da Lagoa.

Divulgação

Equilíbrio – Todos os cuidados dessa pernambucana, que escolheu morar no Rio desde 1964, a transformaram no avesso de uma pessoa traumatizada. O equilíbrio, revela a atriz, vem da personalidade nordestina, nada afeita às adversidades, e dos ensinamentos do líder tibetano Dalai Lama. Quanto mais lê seus livros, mais se convence de que a graça da existência está em viver em paz. “Tenho enorme simpatia pelo budismo, me parece perfeito como filosofia”, conta. “Também evito julgamentos. Aprendi que julgamentos são injustos e distantes da realidade. E na vida não sei o que me mete mais medo, se envelhecer ou morrer. Eu tenho medo dos dois.” Para ela, a passagem do tempo só implica perdas físicas, como redução da visão, da audição, da vitalidade. Mesmo assim, celebra a vida sem tormentos. Mora com a mãe, Severina, 81 anos, e considera as cachorras Kika, 12 anos, e Xará, 14, objetos de profundo afeto.

Seus outros laços de família apontam para Alexandre Barbalho, um dos dois filhos que teve com o ator Lúcio Mauro. Barbalho também optou pela carreira de ator e está estreando em novela com Estrela guia, próxima produção global das seis. O irmão Gilberto Salles estuda cinema. Todo mundo sabe, porém, que a atriz está atavicamente ligada a “familiares” distintos que preenchem sua galeria de personagens inesquecíveis, como a Quica Jordão de Lua cheia de amor, a Carmosina, de Tieta, ou a cubana Anabel, de Salsa e merengue. A elas, e a várias outras, Arlete Salles afirma ter dívidas de gratidão. “É provável que elas tenham me permitido desaguar minhas idiossincrasias. Tudo o que eu não me permito como pessoa, eu me permito através das personagens. Digo barbaridades, ajo de forma tresloucada, exagero.” Se assim for, um brinde a Augusta Eugênia!

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