Na madrugada da sexta-feira 2, o professor e perito em fonética Ricardo Molina de Figueiredo conseguiu complicar definitivamente a situação política do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Confirmou a gravação “inaudível” da bombástica conversa entre ACM e seu assessor, Fernando César Mesquita, com os procuradores da República Luiz Francisco de Souza, Guilherme Schelb e Eliana Torelly. Como ISTOÉ havia revelado em sua última edição, Antônio Carlos deu dicas ao Ministério Público de como “pegar” o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira e chegar ao presidente Fernando Henrique Cardoso. A fita também comprova que ACM contou aos procuradores que tem a lista de quem votou a favor e contra a cassação do senador Luiz Estevão, apesar de a votação ter sido secreta. Ato falho do tarimbado cacique baiano, prontamente advertido por Fernando Mesquita: “Isso não se pode falar. Tem que tomar cuidado. Pois ele pode querer anular e vai dizer que o senhor quebrou o sigilo da votação.” Uma advertência bastante pertinente. O fato de a votação secreta não ter sido tão secreta pode levar à cassação do mandato de ACM.

Durante a última semana, a existência de gravações e sua divulgação causaram uma guerra interna na Procuradoria da República. Na realidade, foram gravadas três fitas, duas delas em um microcassete que o procurador Luiz Francisco carregava no bolso do paletó, com o conhecimento de seus dois colegas. A terceira, considerada inaudível até a última sexta-feira, foi gravada na sala do próprio Luiz Francisco, separada apenas por uma divisória de madeira do gabinete de Eliana Torelly, onde ocorreu a conversa com ACM. As duas primeiras fitas captaram a conversa com nitidez. ISTOÉ teve acesso a elas no final da manhã da quarta-feira 27, o que, horas depois, gerou a crise no Ministério Público. Numa tensa reunião na sala de Torelly – da qual participaram outros procuradores –, ela e Schelb criticaram o comportamento de Luiz Francisco, que, depois de muita discussão, jogou no chão um saco de plástico com as fitas e o pisoteou, com isso quebrando o invólucro de uma delas. Ato contínuo, Eliane as recolheu e guardou.

Volume no bolso

Ricardo Stuckert
Geraldo Brindeiro reage a ACM com o apoio do Palácio do Planalto

Mesmo estando todos os poderes da República interessados em conhecer as gravações, a procuradora Eliane contou aos colegas que picotou e destruiu as fitas. Desse modo, teria acabado com as provas que o Senado Federal necessita para processar o cacique baiano por falta de decoro parlamentar. Como sempre, ACM logo tratou de tirar uma casquinha e atirou no alvo errado: “Esse Luiz Francisco é um irresponsável. Em vez de atuar como procurador, foi repórter da ISTOÉ. Ele só destruiu a fita porque ficaria muito mal se ela viesse à tona.” Diferente de Antônio Carlos, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que na última sexta-feira recebeu a fita inaudível, manifesta interesse em apurar as confissões de ACM a seus colegas procuradores. “Depois que a fita foi feita, tendo validade jurídica para fins criminais, não vejo razão para destruí-la, a não ser por problema emocional ou coisa assim”, censurou o procurador-geral Geraldo Brindeiro.

Eliana Torelly não se limitou a dar um sumiço nas duas fitas. Junto com Schelb, divulgou uma nota em que afirmam não terem conhecimento de “supostas gravações clandestinas” e desautorizam o vazamento da conversa com ACM. Fizeram mais. Alegaram um acordo com o senador baiano para que a conversa fosse mantida em sigilo. A história não foi bem assim. Primeiro, Luiz Francisco nega a existência de qualquer acerto prévio com o cacique baiano. Depois, Schelb e Eliana sabiam do que estava sendo feito e Antônio Carlos desconfiava. Ao se despedir dos procuradores, o senador percebeu um volume no bolso interno do paletó de Schelb e o apalpou para se certificar de que não se tratava de um gravador. “Fiquei assustado. Ainda bem que ele foi em cima de mim. Se ele vai no Luiz, ia dar um rolo danado”, comentou Schelb logo depois da reunião. Arrependido de ter entregue as gravações, Luiz Francisco não esperava que a fita “inaudível” fosse transformar-se em sua tábua de salvação e na mais pesada munição contra ACM. Não dá para prever o desfecho do mal-estar instalado entre os procuradores, mas a crise detonada pela metralhadora giratória de Antônio Carlos já fez suas primeiras vítimas.

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Menos de 24 horas depois de a última edição de ISTOÉ chegar às bancas, com uma canetada Fernando Henrique demitiu os ministros da Previdência Social, Waldeck Ornelas, e das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, dois fiéis pupilos do senador baiano. Começou ali uma temporada de caça ao feudo carlista no governo federal em que ACM mantém outros 29 apadrinhados, entre eles os presidentes da Eletrobrás, Firmino Sampaio, do INSS, Crésio Rolim, e da Dataprev, Ramon Barreto. Ao mesmo tempo que varre o carlismo do governo, FHC afaga o chamado PFL do B, a ala do partido comandada pelo vice-presidente, Marco Maciel, e o senador Jorge Bornhausen (SC), que rompeu com ACM e permanece fiel ao Palácio do Planalto. Dessa corrente sairão os novos ministros da cota pefelista. Entre outros, estão no páreo o senador José Jorge (PE) e os deputados Eliseu Resende (MG) e José Carlos Fonseca (ES). Contra Resende pesa o fato de ele ter deixado o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco depois de ter sido acusado de receber favores de uma empreiteira. Já Fonseca sofre restrições no Palácio do Planalto por causa de seu empenho para evitar que o presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, deputado José Carlos Gratz, indiciado pela CPI do Narcotráfico, fosse expulso do PFL.

Leopoldo Silva
Luiz Estevão: de olho no deslize de ACM para voltar ao Senado

Com a mexida no naco pefelista de poder e outras mudanças no Ministério, Fernando Henrique aposta que o PFL no próximo dia 8 vai decidir permanecer na base governista e isolar ACM. De Miami, onde se refugiou assim que a crise pipocou, Antônio Carlos passou a fazer disparos contra o governo. Em seu estilo habitual, ameaçou com a divulgação de novas denúncias contra o governo, com insinuações de que dispõe de munição pesada para atacar o processo de privatização e o próprio Fernando Henrique. Como blefa muito, desta vez ACM só encontrará eco se mostrar provas concretas de suas acusações. No Palácio do Planalto, a expectativa é de que, em vez de bater, Antônio Carlos terá de cuidar de sua própria defesa. A começar pelas confissões feitas aos procuradores da República. Na maratona de entrevistas que concedeu na Flórida, o senador baiano não conseguiu dar uma explicação convincente para o que revelou aos procuradores. “Eu tenho uma lista de quem votou a favor e contra a cassação do Luiz Estevão. Não por violar o painel de votação, mas por dedução”, tentou se justificar.

Sociólogo ditador

Sem espaço para se reconciliar com o poder, ao qual se apega há quase cinco décadas, ACM está sendo forçado a vestir um novo figurino político, o de oposição. “Não vou me curvar a um sociólogo ditador”, esbravejou em entrevista ao jornalista Sérgio Rondino, da TV Bandeirantes, a propósito da pretensão de FHC de apresentar um programa de governo para seus dois últimos anos de mandato e exigir fidelidade absoluta da base governista. Com essa postura, o cacique baiano espera contar com uma mãozinha das oposições para não perder a cadeira no Senado. Na quinta-feira 1, ele conseguiu respirar com a desistência das oposições em propor a cassação de seu mandato, sob a alegação de que vai centrar fogo – com a ajuda do próprio ACM – na criação de uma CPI para investigar as denúncias contra Eduardo Jorge. “Se o PT decidir fazer o jogo do ACM, não conte com o PPS, que vai sair do bloco”, discordou o presidente do partido, senador Roberto Freire (PE), que, com o aparecimento da fita de Luiz Francisco, vai insistir no pedido de cassação de Antônio Carlos.

Primeiros resultados

A degravação obtida por ISTOÉ é apenas a primeira etapa do processo de perícia na fita gravada por Luiz Francisco. Ela ainda tem trechos inaudíveis e vozes sobrepostas das secretárias do procurador que estavam na sala onde o gravador foi colocado. “Com novas filtragens poderemos aumentar ainda mais a nitidez chegando a recuperar quase 90% de todo o material”, assegura o perito Molina. Ele espera concluir seu trabalho até o final da próxima semana, quando poderá emitir um laudo definitivo. “Já está muito claro que não houve nenhum tipo de edição e que as vozes são mesmo dos procuradores, do senador e de seu assessor”, antecipa. O presidente do Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA), vai encaminhar um ofício a Molina requisitando cópia da fita e o laudo. Outra providência será convocar os três procuradores que conversaram com ACM. Será o começo de uma investigação que pode resultar no fim da carreira política do coronel baiano.


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