Depois de passar várias temporadas de férias em resorts pelo Brasil, a administradora hospitalar Eliane Biasi, 43 anos, resolveu mudar o roteiro. Fez as contas e concluiu que seria mais vantajoso aproveitar a folga em outro país. Escolheu os Estados Unidos, para onde foi com o marido e os dois filhos. “São viagens bem diferentes, mas vejo que no exterior há mais possibilidades. Mesmo os estabelecimentos com preços módicos oferecem serviços muito bons”, diz. Como Eliane, cada vez mais brasileiros estão colocando os gastos na ponta do lápis e percebendo que há opções bastante atrativas de viagens para fora do Brasil. “Notamos uma migração de 25% a 30% de pessoas que compravam rota nacional e agora fazem internacional”, afirma Alípio Camanzano, diretor-geral da Decolar.com, agência online de turismo. Da passagem de avião às compras, dos hotéis ao aluguel de carro, tudo está mais acessível lá fora (leia na pág. 60). “Os destinos brasileiros são incríveis, mas o custo para o turismo está muito alto”, diz Edmar Bull, vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav).

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Houve uma migração de cerca de 30% de pessoas que faziam
a rota nacional e agora optam pela internacional

O problema começa já no primeiro passo do planejamento, ao cotar as passagens aéreas. Essa é, inclusive, uma das maiores reclamações dos turistas que pretendem viajar dentro do Brasil na época de férias escolares e acabam desistindo, devido aos valores exorbitantes. Os preços para regiões do Nordeste na alta temporada por vezes se equiparam a promoções recorrentes para Europa e Estados Unidos, por exemplo. Segundo Edmar Bull, da Abav, com a malha aérea nacional trabalhando com 80% de ocupação durante o mês de janeiro, ou seja, com voos praticamente lotados, a tendência é que os preços sejam mesmo altos. “Para diminuir o custo, é preciso haver mais ofertas: mais voos e empresas trabalhando aqui”, afirma. Para o exterior, a história se inverte: há mais malha e menos procura. “Por isso, pode ser mais acessível.” Já a hotelaria nacional trabalha com ocupação de 52%, o que torna o custo maior e, consequentemente, encarece o preço final.

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EM FAMÍLIA
Eliane Biasi, à esquerda, desistiu dos resorts no Brasil por causa do
preço e vai anualmente com a família para os Estados Unidos

Ao fazer a análise do custo-benefício, várias famílias optam por embarcar para Orlando, na Flórida. Consultor e palestrante na área de recursos humanos, Alexandre Slivnik, 32 anos, faz frequentes viagens a trabalho para lá e, na hora de optar por um destino para passar as férias, escolhe mais uma vez a cidade americana e os parques da Disney. “Encontro em Orlando a oportunidade de ver diferentes culturas, tendo contato com pessoas de todos os lugares do mundo”, afirma. Para Slivnik, ir para fora do País hoje não é mais um sonho distante, como era há alguns anos, ainda mais nesse momento em que os preços estão altos no Brasil. “Analisando as ofertas de pacotes para o Nordeste, por exemplo, faço as contas e vejo que uma semana em um resort para uma família de quatro pessoas com tudo pago sairá mais caro do que uma semana em Orlando, também com tudo pago”, afirma. Para a empresária Liana Rangel, 44 anos, mãe de dois meninos, outra fã da cidade americana, a grande preocupação ao viajar é em relação à estrutura turística e à programação disponível para entreter as crianças. “Aconteceu de, nas viagens nacionais, chegarmos ao destino e percebermos que a cidade não está tão preparada”, afirma. Garantir um roteiro estruturado é essencial para que as férias sejam prazerosas para todos. “Adulto se vira, come qualquer coisa na rua, se um passeio não dá certo sai para fazer outro. Mas com criança não é tão fácil.”

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BENEFÍCIO
Poliana Moreno, à direita, decidiu ir para Santiago com a irmã porque
as cotações para viagens no Brasil estavam muito caras

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Para muitos brasileiros, viajar para fora também significa aproveitar os bons preços dos produtos, que aqui podem alcançar o dobro ou o triplo do valor. Segundo o diretor-geral da Decolar.com, a primeira pergunta que muitos clientes fazem ao pesquisar seus roteiros é “o que posso comprar nesse lugar?”. “Não podemos criticá-los por isso. Lá fora tem muitas lojas que não existem aqui”, diz Camanzano. A turismóloga Rita Michelon, vice-presidente da Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo (Abbtur), afirma que esse é um costume dos turistas brasileiros. “Faz parte da nossa cultura de consumo”, diz. “Por isso, é normal muitas pessoas optarem por ir a um destino onde, além de passear, é possível encontrar produtos por menos da metade do preço em comparação aos valores praticados aqui.” Aparelhos eletrônicos, como smartphones, tablets e notebooks, costumam ser itens bastante procurados. O engenheiro mecânico Robson Brandão Watanabe, 28 anos, mudou o destino da viagem de lua de mel que faria com a mulher, Caroline Cristina Galhardo Watanabe, 25 anos, após realizar algumas cotações. Ambos sonhavam em ir para Fernando de Noronha, mas acharam o preço alto demais e optaram por conhecer o Caribe e os Estados Unidos, onde aproveitaram para comprar coisas para a casa nova, principalmente eletrônicos. “Foi um ótimo custo-benefício. Fomos para Punta Cana e Nova York e gastamos em torno de US$ 10 mil (cerca de R$ 26 mil)”, diz Caroline. Fãs de mergulho, eles ainda planejam visitar Fernando de Noronha quando encontrarem um pacote mais em conta.

Ainda que a maioria dos brasileiros viaje pensando também em fazer compras, há os que preferem um roteiro em que o passeio valha por si só. Esse é o pensamento da médica ortomolecular Luciana Luiz Granja, 42 anos, que costuma viajar com o filho de 8 anos e os pais. “Gosto de conhecer lugares diferentes e mostrar o mundo para a minha família”, afirma. Viagens pelo País já saíram da lista de opções. “Costumava ir para o Nordeste e para o Sul, mas ultimamente tem saído mais barato passear lá fora.” Por suas experiências no exterior, Luciana afirma que o dia a dia de uma viagem na Europa ou nos Estados Unidos lhe parece mais em econômica que no Brasil. O mesmo relato é feito por outros turistas, que falam da variedade de bons restaurantes e hotéis que podem ser considerados baratos se comparados com o mesmo nível de serviço em uma cidade brasileira. “Já fui a bistrô parisiense onde paguei o mesmo valor de um restaurante por quilo um pouco mais sofisticado no Brasil”, diz Luciana.

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TOUR
Luciana Granja (à esq.) tira férias todos os anos e viaja com os pais e o filho.
Antes, ia para Nordeste e Sul do País. Agora, visita a Europa

Para que a escolha pelas viagens internacionais fique ainda mais vantajosa, uma dica importante é se planejar com antecedência. Pensando nisso, o publicitário Thiago Garcia Caranassios, 23 anos, e três amigos fecharam, já no meio do ano, uma viagem para passar o Réveillon em Montevidéu, no Uruguai. Em 2013, queriam festejar a data em Florianópolis. “Mas ficaria muito caro e desistimos”, diz. Quando começaram a pesquisar os destinos, viram que ir para um país próximo poderia sair mais barato, e logo pensaram no Uruguai. A diária da casa alugada para oito dias na capital do país acabou ficando mais barata do que a de um hostel no Rio de Janeiro. De cotação em cotação, a coordenadora de marketing Poliana Guimarães Moreno, 36 anos, também preferiu um país da América do Sul ao Brasil por causa do preço. “Queria viajar com meus dois irmãos para Gramado (RS). Mas fizemos vários levantamentos, um deles para Santiago. A viagem de dez dias para lá sairia R$ 500 a menos do que a opção nacional.” Poliana diz já ter visitado outros lugares na região, como Colômbia e Argentina. “E sempre fica mais vantajoso financeiramente do que no Brasil.”

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LUA DE MEL
Caroline e Robson Watanabe trocaram Fernando de Noronha, muito caro,
pelo Caribe como destino após o casamento: não se arrependeram

As agências de viagens já perceberam há algum tempo a movimentação de brasileiros que deixaram de viajar pelo País e optaram pelo exterior. “Acredito que a tendência começou há dois ou três anos, quando muitas companhias estrangeiras chegaram ao Brasil e começaram a operar em várias rotas”, afirma Claudine Blanco, proprietária da ViaBR Turismo. Com os preços favoráveis, os viajantes que já conheciam o País começaram a cogitar novas possibilidades de destinos. Segundo Márcio Federicci, do departamento de promoção da agência Intravel, a opção pelo exterior vem também por causa da excelência no atendimento ao turista. “Por mais investimento que o governo coloque, estamos em falta. Hoje aqui há muitos hotéis cinco-estrelas, cobrando caro, com serviço de quatro.” Outro ponto levantado pelos brasileiros é que, principalmente em cidades europeias, há uma sensação de segurança maior, o que possibilita o uso de transporte público mesmo tarde da noite, por exemplo. A alta do dólar também não parece ser empecilho para os viajantes. “Pode ser que a pessoa pense duas vezes se quiser ir para um destino de compras, mas não deixará de viajar para fora”, diz Claudine.

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RÉVEILLON
Thiago Caranassios (à direita) passará o Ano-Novo em Montevidéu,
no Uruguai, com os amigos. "O preço da casa que alugamos
é mais barato que o de um hostel no Rio"

Os gargalos no turismo no País, principalmente questões envolvendo preços, afetam o setor como um todo. Para Rita Michelon, da Abbtur, um dos problemas é que a área de viagens passou a ser vista como negócio muito recentemente. Ela compara a história do Uruguai, cujo Ministério do Turismo foi criado em 1975, com a nossa, que tem o órgão apenas desde 2003. “Com três milhões de habitantes, eles recebem três milhões de turistas. Nós, com 200 milhões de pessoas, recebemos seis milhões”, afirma. Há, portanto, muito para ser melhorado. Políticas públicas, investimentos do governo, maior concorrência entre companhias aéreas e redes hoteleiras são alguns dos objetivos a serem alcançados. Até lá, mais brasileiros devem continuar rumando para o exterior em suas férias.

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Colaborou Fabíola Perez
Fotos: Airam Abel – Montagem sobre fotos: Shutterstock, Pedro Dias/ Ag. Istoé; Kelsen Fernandes


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