A convite da médica Fabíola Peixoto Minson, a jornalista mineira Rachel Costa ajudou-a a organizar o livro "Ufa! Chega de dor", reunindo as histórias de pessoas que travaram uma longa batalha contra a dor até vencê-la. O lançamento foi nesta quinta, 27 de novembro. Pedi à Rachel um relato sobre o que ouviu dos pacientes brasileiros. Rachel trabalhou aqui na revista ISTOÉ nas seções de Saúde e Comportamento e agora vive em Londres. A seguir, ela conta sobre as lições aprendidas no convívio com a Dra. Fabíola e seus pacientes durante o processo de elaboração do livro. 

"Aprendi que dor não é frescura. Isso ficou claro quando entrevistei a empresária paulistana Vitória (nome fictício). Ela é um exemplo contundente de que a dor ainda é um tabu para a sociedade e para muitas equipes médicas. Conhecida por seu jeito alegre e pela maneira leve de levar a vida, ela viu suas energias se dissiparem em julho de 2008, quando uma enxaqueca forte veio e  ficou. Não adiantava se deitar, nem se levantar, o incômodo persistia em qualquer posição. Doía  tanto que, em pouco tempo, sua rotina foi tomada pela doença. Parou de trabalhar, de dirigir, suspendeu as aulas de dança e, em poucas semanas, não saia nem do próprio quarto. Vitória havia se tornado refém da própria dor.  Isolava-se em seu sofrimento por medo de rejeição. Como tantas pessoas que sofrem com a dor crônica, tinha receio de ser julgada pelos outros. Embora já tivesse superado um câncer, não sabia o que fazer para contornar a dor.  “No câncer você tem um diagnóstico, as pessoas sabem o que é e acreditam no seu problema. Na dor não. Por não ser reconhecida como doença, as pessoas não entendem bem o que está acontecendo e acabam te discriminando por achar que tudo aquilo é só uma fraqueza ou uma má vontade sua de encarar a vida e sair do fundo do poço”, define Vitória.  

"Na história desta empresária, a falta de compreensão, tanto por leigos quanto por alguns dos médicos, a fez ter cefaleia por um ano inteiro. Foi quase por acidente que ela descobriu a existência de centros especializados para o tratamento da dor – e foi em um deles que ela percebeu que embora não exista cura para as enxaquecas, elas são controláveis. Basta seguir o protocolo certo. Livre do incômodo, Vitória emprestou sua história para o livro Ufa! Chega de Dor, da dra. Fabíola Peixoto Minson. 

"Assim como os outros nove pacientes, Vitória contou-me em detalhes a difícil experiência de viver com dor crônica. Todos falaram de um forte sentimento de solidão e  incompreensão. Isso reforça a certeza de que é preciso debater mais o assunto. No Brasil ainda se sabe pouco sobre o impacto da dor crônica. Entretanto, se olharmos para os dados americanos, veremos que o país gasta anualmente mais 320 bilhões de dólares para cobrir um pacote que vai desde hospitalizações de emergência e cirurgias inapropriadas a deficiências e casos de invalidez, perdas salariais e redução da produtividade. São grandes as dimensões da questão, o que mostra que, apesar do sentimento de solidão dos pacientes, a dor crônica é um problema de todos e assim deve ser entendido e tratado.  

"Por todo o Brasil, há milhões de Vitórias. Estima-se que uma a cada três pessoas sofreu ou sofrerá com dor crônica durante a vida. O total de afetados é maior que a soma dos pacientes de câncer, problemas cardiovasculares e diabetes. Posso ser eu, você, um amigo ou ente querido. Independentemente de quem seja, serão muitos. Uma multidão de pessoas que precisa ser compreendida e tratada, em vez de discriminados como aquele (a)
 chato(a) que está sempre com dor ou aquele (a) que nunca pode fazer nada. 

"Mudar essa percepção é urgente. Principalmente porque há muitos fatores que podem levar ao surgimento de mais casos de dor crônica, como o envelhecimento da população e o aumento da sobrevida após traumas graves. Em todas essas situações, embora seja difícil evitar o aparecimento da dor, é possível impedir o sofrimento prolongado. Ter câncer não significa ter dor. O mesmo vale para a endometriose ou para a recuperação após uma cirurgia. A dor é um valioso sinal de alerta do organismo. Porém quando ela ultrapassa os limites de intensidade ou não vai embora, é preciso investigar o que está acontecendo e, para isso, dar ouvidos às queixas do paciente é o primeiro passo.