A tarefa de evitar confronto com amigos por causa das eleições tem se revelado difícil diante da hipnose coletiva pela retórica virulenta. Dizem que, quando um não quer, dois não brigam, mas ninguém explica como resistir à reiteração de acusações de ignorância, reacionarismo e bolivarianismo. É difícil manter a paz quando todos querem brigar. Muitos comemoram a cisão “realista” do país e o fim da falsa cordialidade, enquanto se multiplicam as advertências de que “eles” (ou “nós”) “não me representam”. A luta de classes, que nunca saiu de cena, ocupou o palco.

Tem gente feliz com isso.
Meu irmão tucano brigou com a minha irmã petista em pleno almoço de domingo na casa da minha mãe. Entraram em duelo sem economizar palavras, com a falta de cerimônia típica de irmãos, revivendo tensões antigas e não resolvidas. Agora, telefonam para se queixar um do outro. Estou tentando uma psicanálise de botequim (não remunerada), mas não está funcionando. Receio mais radicalização no próximo vatapá.

É impressionante o número de pessoas que se queixam de brigas por causa de uma eleição conflituosa que tornou manifesta a cultura barroca de exageros, hipérboles e insultos da nossa educação política. Uma colega de trabalho desabafou que seu grupo de amigas, todas ilustres mães de famílias, entrou em crise porque, na última reunião, cinco tucanas atacaram uma petista que não se intimidou e devolveu as críticas e desqualificações valentemente. Agora choram, se arrependem e tentam refazer pontes, mas não sabem como. O estrago está feito. O pior é que os maridos querem participar do problema.

Sei que para alguns a divisão do país é imperativa, mas, mesmo se Dilma e Aécio fossem de planetas diferentes, não seria possível discutir as diferenças respeitando as discordâncias e controlando a linguagem? Será que é tão difícil? Não é preciso ser Pollyanna, nem usar peruca branca ou possuir fleugma britânica. O que adianta os candidatos ocuparem tanto tempo de televisão se não debatem nem conversam, só repetem scripts e arremessam perdigotos? Alguém pode explicar por que um Banco Central autônomo tiraria comida do prato das criancinhas? Ainda não entendi.

Durante a campanha, os dois candidatos pareciam querer destronar o deputado Paulo Maluf no campeonato de autismo. “Dr. Maluf, aqui está o número da sua conta bancária suíça.” “Não tenho conta no exterior.” “Dr. Maluf, este é o extrato da sua conta.” “Não tenho conta no exterior.” “Dr. Maluf, a Interpol vai lhe prender se o senhor sair do Brasil.” “Não tenho conta no exterior.” A eleição parecia conversa de loucos. Um dizia “não gosto de praia sem sol” e o outro respondia “meu filho está com coqueluche”.

Depois de uma longa batalha pelas liberdades democráticas e pela anistia, em 1979 fui muito ao Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro para assistir aos exilados recém-retornados falar. Ouvi o mesmíssimo discurso de 1964 e de 1968, salvo raras exceções, como Apolônio de Carvalho e Fernando Gabeira. Foi então que compreendi o eterno transtorno do mesmo: estamos condenados a nós. 

Escutando Diógenes de Arruda Câmara, Leonel Brizola e Luis Carlos Prestes ratificarem pelo avesso o que Amaral Neto, Antonio Carlos Magalhães e Tancredo Neves repetiam, aceitei que cada sociedade tem a política que consegue ter (ou merece). Nunca mais esqueci a frase de Lutero na Dieta de Worms, diante da hipótese da fogueira: “Eu estou aqui. Não posso ser outro. Deus me ajude”.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta