Fundador do site de hospedagem Airbnb, Nathan Blecharczyk fez fortuna com uma estratégia ousada: convencer as pessoas a alugar suas casas para desconhecidos

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CONCEITO SIMPLES
"No Airbnb, você só precisa ter uma casa e o desejo de hospitalidade"

 

Presente em 190 países e com 17 milhões de usuários, o Airbnb revolucionou a experiência de viajar pelo mundo ao fazer as pessoas entregarem as chaves de suas casas para estranhos. Quando a ideia surgiu, em 2007, Nathan Blecharczyk era apenas um jovem recém-formado em ciência da computação pela Universidade Harvard com dificuldade para bancar o apartamento em São Francisco, nos Estados Unidos.

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"Antes da Copa do Mundo, tínhamos cinco mil propriedades
registradas no Rio de Janeiro. Agora, já são 20 mil"

 

Hoje, depois de criar a maior rede de hospedagem do mundo, oferecendo o aluguel temporário de imóveis por preços mais baixos do que hotéis, acumula fortuna pessoal de US$ 1,5 bilhão e dirige, ao lado dos também fundadores Brian Chesky e Joe Geb­bia, uma gigante avaliada em US$ 10 bilhões, mais do que a tradicional rede Hyatt. “Uma das coisas mais incríveis que fizemos foi a habilidade de construir confiança entre pessoas que não se conhecem”, disse Blecharczyk, direto de São Francisco, em entrevista por telefone à ISTOÉ.

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"No começo, pensamos que só atenderíamos Nova York (foto).
Hoje, estamos em mais de 190 países"

ISTOÉ

 A simples ideia de emprestar a casa para estranhos parece absurda, mas o Airbnb possui 17 milhões de usuários no mundo todo fazendo justamente isso. Como é possível convencer as pessoas a abrir a porta de suas casas para gente do outro lado do mundo?

 
Nathan Blecharczyk

 Uma das coisas mais incríveis que alcançamos foi a habilidade de construir confiança entre estranhos. Isso foi parte da inovação original. A chave é a seguinte: quando o viajante reserva uma propriedade, ele paga ao Airbnb. Nós seguramos o dinheiro até a chegada do hóspede. Assim, se o lugar não é como está descrito ou, por qualquer outro motivo, o viajante quiser cancelar a reserva, ele só precisa ligar para nosso serviço de atendimento ao cliente que funciona 24 horas por dia. Enquanto isso, para ser pago, o anfitrião deve entregar tudo aquilo que foi prometido em seu perfil. 

 
ISTOÉ

 É apenas isso?

 
Nathan Blecharczyk

 Isso funciona bem para assegurar que as expectativas sejam atendidas. Depois da estadia, o hóspede avalia o anfitrião e o anfitrião avalia o hóspede. As duas partes constroem uma reputação, que fica mais forte com o passar do tempo. Numa busca rápida, você verá milhares de propriedades com dezenas de avaliações cada uma. Isso é o que constrói a confiança: as avaliações e o fato de protegermos seu dinheiro.

 
ISTOÉ

 A sua casa está disponível para alugar no Airbnb?

 
Nathan Blecharczyk

 É algo que eu fazia no início, parei por um tempo e agora retomei. Sou um anfitrião em São Francisco, mas as pessoas não sabem que sou eu. Eu diria que sou um anfitrião misterioso. 

 
ISTOÉ

 As redes sociais tiveram um papel importante no crescimento do Airbnb?

Nathan Blecharczyk

 Muito importante. Na última década, as pessoas se tornaram mais confiáveis em seus perfis virtuais. Antes do Facebook, ninguém acreditava nesses perfis, era difícil saber se nomes ou fotos eram verdadeiros. Aos poucos, as pessoas começaram a colocar sua real identidade online. Essa foi uma transformação fundamental para o sucesso do Airbnb.

 
ISTOÉ

 O Airbnb foi criado em 2008 e é um dos precursores do que conhecemos como economia compartilhada. Esse modelo de negócio foi beneficiado pela crise econômica?

 
Nathan Blecharczyk

 Sim. A depressão começou no fim de 2008, justamente quando abrimos a empresa. As pessoas estavam perdendo seus empregos e sofrendo o risco de perder suas casas. Nós demos a elas uma oportunidade de manter suas casas ao monetizar um espaço extra. Temos histórias assim até hoje, apesar de a economia ter melhorado em muitos países. 

 
ISTOÉ

 Qual é o perfil das pessoas que colocam suas casas para alugar no Airbnb?

 
Nathan Blecharczyk

 Uma das coisas mais legais da economia compartilhada é que ela abre oportunidades para todo mundo. Em muitos setores, para se ter oportunidade é preciso ter diploma universitário, experiência prévia. Na economia compartilhada, só é necessário querer participar. No Airbnb, você só precisa ter uma casa e o desejo de hospitalidade. Isso permite que pessoas de diferentes idades e origens participem. Gosto de pensar em nossos usuários como microempreendedores. Damos a eles uma ferramenta para construir um negócio.

 
ISTOÉ

 Alguns críticos dizem que a economia compartilhada nada mais é que “não dividir nada, cobrar por tudo.” O sr. concorda com isso?

 
Nathan Blecharczyk

 As pessoas implicam com a palavra “compartilhada”. Mas, nesse caso, isso não significa que seja gratuito. O que dividimos é o acesso. As pessoas estão tendo experiências que não tinham antes.

 
ISTOÉ

 Qual é o balanço que o ­Airbnb faz das hospedagens na Copa do Mundo no Brasil?

 
Nathan Blecharczyk

 A Copa foi um grande evento. Antes dela, tínhamos cinco mil propriedades registradas no Rio de Janeiro. Isso é muito, mas, durante os jogos, o número subiu para 20 mil. No total, acomodamos 120 mil visitantes no Brasil. Cerca de 20% dos turistas estrangeiros que foram ao País se hospedaram pelo nosso site. Permitimos que eles viajassem de uma maneira relativamente barata e participassem de um evento que só acontece de quatro em quatro anos. E isso permitiu que os brasileiros também participassem dessa oportunidade econômica. Durante o Mundial, eles ganharam US$ 38,8 milhões, uma quantia significativa que dá uma média de US$ 4 mil por anfitrião. Foi um grande impacto que causamos.

 
ISTOÉ

 As acomodações alternativas são a chave para o desenvolvimento do turismo em um país, sobretudo durante grandes eventos?

 
Nathan Blecharczyk

 As acomodações alternativas ajudam as cidades a vender sua habilidade de sediar o evento de forma atraente. Nessas ocasiões, os hotéis normalmente ficam lotados. O problema é que não se pode construir tantos hotéis por limitações de orçamento, terra disponível e tempo. E, no fim, ainda pode ser que esses quartos novos fiquem ociosos. O Airbnb é uma forma mais sustentável de incentivar o turismo. Além do mais, ao ficar na casa de alguém, em bairros mais residenciais que turísticos, o Airbnb produz uma experiência mais autêntica para o viajante.

 
ISTOÉ

 O sr. acha que, no futuro, o negócio central da empresa será o aluguel de outras coisas, como carros e bicicletas, em vez de só hospedagem?

 
Nathan Blecharczyk

 Temos pensado de forma mais ampla sobre a viagem e reconhecemos que os viajantes não precisam só de acomodação, mas de muitas outras coisas. Então, queremos conectá-los a toda forma de conveniência e tornar sua experiência mais autêntica e pessoal. Isso pode significar ou não o aluguel de bicicletas e carros.

 
ISTOÉ

 Em alguns países, o Airbnb tem sofrido certa resistência. Em Barcelona, a empresa chegou a ser multada por violar as regras regionais do aluguel de propriedades. 

Nathan Blecharczyk

 Em primeiro lugar, devo dizer que fiquei impressionado sobre como o conceito do Airbnb pode ser universal. Quando começamos a empresa, nos perguntamos se só atenderíamos Nova York, se ficaríamos só nos Estados Unidos, na Europa, mas não na Ásia. E o que descobrimos até esse momento, em que estamos em 190 países, é que há muito mais em comum entre esses lugares do que diferenças. Viajar é um conceito internacional que apela a um desejo humano básico que descobrimos ser parte de todas as culturas em que operamos. 

 
ISTOÉ

 Como o Airbnb lida com as diferentes regulações?

 
Nathan Blecharczyk

  Em geral, as regulações estão centradas na esfera municipal. Estamos em 35 mil cidades, então há muitas regras diferentes. Devo dizer que algumas delas são antiquadas. O Airbnb é um conceito novo. Por isso, não se encaixa em certos limites impostos por leis que existem há tanto tempo. Agora elas estão sendo reconsideradas. Entendo que isso seja parte do processo. Sempre que algo muda e causa controvérsia, levamos tempo para nos adaptar. 

 
ISTOÉ

 Como o sr. avalia a postura dos governos em relação à inovação tecnológica, especialmente quando ela vem de empresas estrangeiras?

 
Nathan Blecharczyk

 É totalmente imprevisível. Vejo muitos países acolhendo a economia compartilhada e o Airbnb. Em Amsterdã, por exemplo, foi criada uma nova categoria de “aluguel de férias”. Qual é o padrão? Não sei. A verdade é que a política é complexa, há interesses de grupos diferentes em jogo, e é preciso chegar a um consenso. Isso tem sido complicado em algumas cidades, mas outras foram capazes de ter um diálogo mais construtivo.

 
ISTOÉ

 A maior crítica dos donos de hotéis é que eles obedecem a um sistema tributário mais rigoroso que o Airbnb. Os anfitriões não deveriam pagar taxas relativas ao aluguel de suas propriedades?

 
Nathan Blecharczyk

 Eu concordo. Temos trabalhado com as cidades para descobrir como podemos ajudá-las a recolher as taxas. Hoje a empresa paga seus impostos, mas também é verdade que os hóspedes deveriam pagar taxas também. O problema é que o processo burocrático das cidades não é muito direto. Quando falamos de indivíduos, muitas vezes eles não sabem a que taxas devem se submeter. Outra crítica que nos fazem é que damos aos anfitriões uma vantagem desleal sobre os hotéis, mas acho que esse não é um entendimento correto. Nossa vantagem é proporcionar aos nossos viajantes experiências únicas e por isso as pessoas nos procuram, e não por que o Airbnb é mais barato.

ISTOÉ

 Na visão de algumas pessoas, o Airbnb vive uma verdadeira guerra com os hotéis. Como é a sua relação com os representantes da indústria hoteleira?

 
Nathan Blecharczyk

  É importante entender que nosso sucesso não vem à custa dos hotéis. Os hotéis, na maioria dos países, estão tendo alguns de seus melhores anos da memória recente, o que significa que a taxa de ocupação e os preços se mantêm em alta. Cada um vende um produto que apela a públicos diferentes. 

 
ISTOÉ

 Que tipo de serviços o Airbnb desenvolve em locais como o Brasil, já que o centro das operações se concentra em São Francisco?

 
Nathan Blecharczyk

 Temos escritórios em todos os nossos mercados mais importantes e o Brasil se qualifica para isso por ser o líder na América Latina. Nossos funcionários desenvolvem parcerias brasileiras, entendem o contexto local e asseguram que isso seja incorporado ao nosso produto e a tudo que fazemos. O mais importante, para mim, é que eles sejam incrivelmente apaixonados pelas experiências locais e pelo conceito de hospitalidade pessoal, porque essa é a categoria de viagens que o Airbnb praticamente criou.