Mulheres nuas desfilando pelas passarelas, arquibancadas lotadas, carros alegóricos com 12 metros de altura. Antes de o maranhense Joãosinho Trinta se tornar carnavalesco na década de 1970, o Carnaval era outro. Até então, era um desfile pequeno e relativamente local. Mas, cansado das sapatilhas, um bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que entrou para a vida das passarelas do samba em 1973, fez com que a festa se transformasse na comemoração mais luxuosa e sofisticada que o País conheceu.

O ponto de partida dessa mudança é o tema do novo longa-metragem de Paulo Machline, “Trinta”, que estreia na quinta-feira 13, com Matheus Nachtergaele no papel-título.

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Polêmico Desfile de 1989 da Beija-Flor, com a figura coberta pela
censura do Cristo caracterizado de mendigo (abaixo), e Trinta durante
o Carnaval de 2004 pela Rio Grande (acima)

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A completa ausência de biografias de Trinta foi o motor da pesquisa do cineasta, amigo pessoal do ex-funcionário público João Clemente Jorge Trinta. Machline realizou entrevistas e acompanhou as atividades de Trinta durante longos períodos entre 2002 e 2008, experiência que resultou em um documentário lançado em 2009, que narrava as 48 horas que antecederam o desfile da Beija Flor, vice-campeã de 2002.

As informações não usadas motivaram um novo projeto, dessa vez um filme de ficção, mas que traz a vida por trás da figura de branco e de braços sempre abertos a sorrir. Machline centra a trama nos preparativos para o Carnaval de 1974, quando Trinta criou o desfile “O Rei de França na Ilha da Assombração”, inspirado nas lendas do folclore do Maranhão. A Salgueiro foi a escola campeã daquele ano. “Queria contar sua origem, seu primeiro Carnaval. Teria sido mais simples usar os episódios que todos já conhecem, mas quis mostrar quem ele foi realmente”, diz.

O período em que atuou como bailarino pode ser visto em um breve flashback da década de 1960.

Trinta atuou no Municipal durante cerca de 20 anos, dez deles como bailarino e o restante do tempo em diversas funções, como cenógrafo e figurinista.

Matheus Nachtergaele explica que fez um curso de quatro meses de balé antes do início das filmagens para viver o personagem: “No começo pensei que não seria necessário, mas logo percebi que a maneira de caminhar dele vinha daí. Foi importante para adquirir a postura certa, pois nunca ando dessa maneira”, diz ele.

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O ator conta que foi apresentado a Trinta em 2011, durante os preparativos da filmagem, pouco antes de o carnavalesco morrer. “Ele me lembrou uma criança, muito espantada, mas também encantada com o mundo. Tinha uma grande vivacidade, apesar de estar em uma cadeira de rodas na época”, diz. Um segundo encontro entre os dois estava marcado quando Trinta morreu.

“O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, teria dito em uma entrevista. É uma frase que resume bem a atitude de Trinta em relação à sua vida e ao seu trabalho. A mesma ideia está por trás das transformações que fizeram do Carnaval o que ele é hoje, uma festa de luxo, feita para um povo cansado de miséria.  

Fotos: Julia Schmidi; Victor R. Cavano/AP Photo; Arquivo/Ag. o Globo; Daniela Dacorso/Ag. o Globo; Pablo/Grosby; Orestes Loactel