O Brasil encantado visto nos programas eleitorais da campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff não existe mais. As belas imagens trabalhadas pelo marqueteiro João Santana e os discursos com exaltações aos feitos dos governos petistas ficaram para trás. Na segunda semana depois de festejar o resultado das urnas, Dilma reencontrou o País real. Em poucos dias, as más notícias relacionadas à economia, escondidas durante a campanha, apareceram. O cenário nada alvissareiro suscitou pressões de todos os lados. Dos aliados políticos, que correram para reivindicar cargos e verbas federais; do PT, interessado em emplacar uma reforma política por meio de um plebiscito, em reavivar regulação da mídia e acabar com o fator previdenciário; da oposição, fortalecida por mais de 51 milhões de votos; e até do ex-presidente Lula, que trabalha para indicar o novo ministro da Fazenda e outros integrantes do primeiro escalão – ou seja, para obter mais influência no segundo mandato. A maior pressão sobre Dilma, no entanto, foi exercida pelos fatos, o que a obrigou a aparecer em público para reconhecer problemas graves de sua administração e tentar retomar o controle das iniciativas. “A minha esperança é que o Brasil terá uma recuperação. Enquanto isso, espero que o mundo também tenha”, afirmou Dilma na quinta-feira 6, em entrevista concedida a quatro jornais.

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Ao assumir que o País passa por uma situação complicada, a presidente desmente suas pregações de campanha. Isso ocorre, em maior escala, nas questões econômicas. Depois de repetir todos os dias, na TV e nos palanques, que a inflação estava sob controle, Dilma agora fala em tomar medidas para tentar recuperar a credibilidade das contas públicas. “Nós vamos ter de fazer o dever de casa e apertar o controle da inflação”, disse a presidente. Embora tardia por causa da campanha, a aceitação de que os números ruins corroem a economia brasileira se mostra mais que necessária. Nas últimas semanas, os preços anualizados superaram o teto da meta, de 6,5%, previsto pelo governo. Em vez do superávit primário de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) nas contas públicas, prometido na lei orçamentária, o País amarga até setembro um déficit de R$ 15,7 bilhões. As previsões de crescimento do PIB de 2014 também caíram ao longo do ano e, segundo as últimas estimativas, ficará próximo de zero.

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Em reunião com ministros e auxiliares, Dilma é pressionada
a manter promessas de campanha, mas a realidade se impõe

Apesar da fragilidade dos fundamentos econômicos, Dilma vacilou. Mostrou-se incapaz de anunciar o nome do novo ministro da Fazenda antes da reunião de cúpula dos países do G-20, marcada para acontecer nos dias 15 e 16 de novembro, na Austrália. Durante a campanha, ela revelou que destituiria o atual titular do cargo, Guido Mantega. Sem definir o substituto, cujo nome foi discutido com o ex-presidente Lula, a presidente mantém o suspense que alimenta as especulações do mercado. A possibilidade de nomeação de um ministro pouco comprometido com o controle das contas públicas também afugenta investimentos externos. A falta de cumprimento das metas estabelecidas pelo governo ameaça o status de grau de investimento do Brasil atribuído por agências de avaliação internacionais. Foi justamente por não conseguir apresentar o nome da pessoa que vai conduzir a economia do País no segundo mandato que Dilma resolveu sair a público para mandar alguns recados para a população e para o mercado financeiro.

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Pedra no sapato do governo, o deputado Eduardo Cunha se
fortalece para assumir a Presidência da Câmara em fevereiro

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A distância entre o discurso eleitoral e a prática no governo também pode ser observada nos balões de ensaio sobre os possíveis sucessores de Mantega. Na propaganda da candidata, os adversários eram acusados de, se eleitos, entregar o país a banqueiros. Para a surpresa dos crédulos, alguns dos nomes especulados têm longo histórico de relações com instituições financeiras. É o caso, por exemplo, do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, e do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Atribui-se ao ex-presidente Lula a indicação dos dois para o Ministério da Fazenda. Trabuco, segundo o governo deixou vazar, não aceitou o convite. Sobre Meirelles, o problema seria uma certa incompatibilidade entre ele e Dilma. Meirelles teria dificuldades de conviver com o estilo centralizador e autoritário da presidente e ela o consideraria muito autônomo para tê-lo como auxiliar. Caso não se entenda com o ex-presidente do BC, ela tem como alternativa o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa, um nome já conhecido do mercado e também acostumado aos arroubos de Dilma.

Mas a pressão não vem só pela economia. Na política, o PT trabalha para obter mais espaço. Na segunda-feira 3, a executiva nacional da legenda se reuniu em Brasília e, no fim do encontro, divulgou uma resolução com vários pontos incômodos para o Planalto. “O PT deve buscar participar ativamente das decisões acerca das primeiras medidas do segundo mandato, em particular sugerir medidas claras no debate sobre a política econômica, sobre a reforma política e em defesa da democracia nos meios de comunicação”, diz o texto. “É preciso incidir na disputa principal em curso neste início do segundo mandato: as definições sobre os rumos da política econômica”, acrescenta a resolução, em um sinal claro de que o partido quer interferir com mais vigor nas decisões do governo. Entre as propostas contrárias aos interesses do Planalto encontra-se, por exemplo, a de acabar com o fator previdenciário – fórmula usada pelo governo para o cálculo das aposentadorias que reduz o valor dos benefícios por tempo de contribuição. Os sucessivos déficits apresentados pela Previdência desaconselham a mudança pedida pelos petistas. Na mesma direção, encontra-se a proposta do PT de reduzir a jornada de trabalho para 40 horas. Hoje são 44.

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Lula, em meio a senadores do PT : o ex-presidente influirá na escolha do ministro
da Fazenda. Seu preferido é o ex-presidente do BC Henrique Meirelles (abaixo)

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A resolução aprovada pelo PT também insiste em propostas espinhosas, algumas inviáveis, para o governo. Enquadra-se nesse perfil a realização de uma reforma política por meio de um plebiscito e uma assembleia constituinte exclusiva. No discurso de vitória na noite de 26 de outubro, Dilma defendeu o plebiscito para agradar à plateia de militantes, mas ela sabe que o Congresso rejeita esta ideia. A executiva do PT reiterou ainda a defesa dos conselhos populares, proposto pelo governo em um decreto derrubado pela Câmara no último dia 28. Outra proposta reincidente dos petistas é a aprovação de uma lei da “mídia democrática”, expressão usada em referência ao controle dos meios de comunicação. De tão radical, até mesmo no Palácio do Planalto a resolução foi considerada excessivamente esquerdista, mais parecido com uma peça de campanha eleitoral do que com uma plataforma a ser discutida no Parlamento. “Eu não represento o PT, eu represento o país, a Presidência da República. Não sou presidente do PT. A opinião do PT é a opinião de um partido. O PT, como todo partido, tem posição de partes. É típico deles”, afirmou Dilma na entrevista da quinta-feira 6.

Ainda não se sabe se essas palavras da presidente foram indícios tardios da busca pelo alardeado diálogo com setores fora de seu partido. Só o tempo irá dizer. Mas ela vai mesmo precisar desta flexibilização, pois entre as forças que fazem pressão para ocupar espaço está o PMDB, principal aliado do PT e também origem de muitas crises para o governo. O maior ponto de atrito entre os dois partidos na mudança da legislatura do Congresso é a eleição para o presidente da Câmara. O PMDB quer levar ao cargo o atual líder do partido, Eduardo Cunha (RJ), mas para isso deve romper o acordo de revezamento feito com o PT. Na terça-feira 4, o partido deu uma demonstração de poder ao reunir governadores, deputados e senadores no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente Michel Temer – maior autoridade da legenda. Mesmo sem unidade interna, o PMDB continua sendo a principal resistência aos planos hegemônicos do PT e a maior força política a influir no governo Dilma Rousseff. Mas acomodar todos os seus interesses também não será tarefa fácil.

FOTO: ADRIANO MACHADO, RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA


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