Ricardo Giraldez
Na dúvida…
“Acho que é o caso de limpar os cascos antes de sair”, disse Dutra (ao centro) na saída da cidade

A notoriedade da cidade gaúcha de Jóia, conquistada a contragosto por causa da descoberta ali de focos de febre aftosa, não incomoda tanto assim os moradores. Alguns até acham graça quando vêem o lugar onde vivem aparecer na tevê. Eles são, na sua grande maioria, proprietários de pequenos sítios e vivem basicamente da venda de leite para os laticínios e cooperativas da região. Também cultivam um pouco de soja e de milho, alternadamente, para garantir uma renda extra. A soja andou ruim com a seca do primeiro semestre, e o milho só será colhido em alguns meses. Daí que contavam com o leite para sobreviver.

Até a semana passada, entretanto, cerca de duas mil cabeças de gado haviam sido sacrificadas na região. E nenhum dos responsáveis pela ofensiva do combate à aftosa, levada a cabo pelo governo estadual, arriscava dizer quantos abates ainda serão necessários para controlar a situação. Somente em Jóia, mais de 300 famílias tiveram seu gado morto pela brigada militar gaúcha.

A coleta de leite, assim como o transporte de carne, está proibido desde o dia 23 de agosto em Jóia e em outros sete municípios da região. Em dois deles – nas cidades de Eugênio de Castro e Augusto Pestana – já foram encontrados novos focos de aftosa, o mais recente confirmado na quarta-feira 6. Uma equipe de mais de 50 veterinários vasculha as propriedades da região atrás de animais que apresentem os sintomas da doença. Quando encontram, abatem todo o rebanho da propriedade, de gado e de suíno, e também o das propriedades vizinhas.

Até a circulação dos moradores é controlada. Afinal, em contato com gado contaminado, eles podem agir como transmissores a outro rebanho. Há alguns dias, uma perua que levaria alguns deles para serem atendidos no hospital da vizinha cidade de Santo Augusto foi proibida de entrar. O receio era que eles levassem consigo o vírus da febre. Pelo mesmo motivo, a campanha para as próximas eleições municipais foi suspensa pela Justiça Eleitoral até 18 de setembro em alguns bairros mais afetados pela aftosa. E o acesso a várias áreas da cidade está proibido para as pessoas de fora.

Uma visita à fazenda dos Wunder, um dos maiores produtores de leite da cidade, com 104 vacas leiteiras, mostra bem como anda o ânimo dos joienses. O gado deles, garantem, não foi contaminado. Eles se dizem dispostos a deixar a inspeção entrar, caso seja necessário. Mas se decidirem abater seu gado, a coisa muda de figura. “Não vamos deixar de jeito nenhum. Nós estamos trabalhando há anos para melhorar o nosso rebanho, vacinamos o nosso gado, e estamos longe dos focos”, diz Adriano Wunder, 30 anos de idade e pelo menos sete de manejo com o gado. Desde o início das vistorias, a família mantém uma corrente com cadeado na porteira. E um pulverizador com solução de água e iodo, usado para desinfetar os veículos que chegam. O mesmo expediente, por sinal, é usado em todas as entradas da cidade – nenhum carro sai sem ser desinfetado. Mas os Wunder não conseguiram escapar da suspensão da coleta de leite – e diariamente jogam fora mais de 2 mil litros. Não poderiam deixar de ordenhar as vacas porque a chance de aparecer uma infecção no úbere dos animais seria grande.

O pequeno produtor Renato Andreatta, primo distante do prefeito Jandir, não teve a mesma sorte. Ele tirava diariamente 10 litros de leite. Seu rebanho era de apenas seis cabeças de gado e quatro suínos. Levou sete anos para conseguir formá-lo e apenas alguns minutos até todos os animais serem abatidos. Das seis vacas, somente três já estavam produzindo. “Eu tentei conversar, porque o meu gado estava sadio. Mas eles disseram que não tinha jeito, que tinham encontrado a doença nas vacas do vizinho”, diz.

Na quarta-feira 6, o governador petista Olívio Dutra e o secretário da Agricultura, José Hoffmann, estiveram em Jóia por algumas horas. Na saída, passaram por uma das 40 barreiras que cercam a cidade. “Acho que é o caso de limpar os cascos antes de sair”, disse o governador.

Foram anunciar as primeiras indenizações para as famílias que tiveram gado abatido. E ainda outras medidas, como o fornecimento gratuito de sementes para a safra de milho, máquinas e tratores para atender aos agricultores e linhas de crédito. O pagamento da indenização pela renda que está deixando de entrar é mais complicado. Ao que parece, dificilmente os produtores vão ver a cor desse dinheiro. O governo estadual diz esperar que o Ministério da Agricultura pague – e o Ministério já demonstrou não estar disposto a fazê-lo. É um dos vários episódios na troca de acusações entre Dutra e o ministro Pratini de Moraes, adversário do governador na política regional e possível candidato do PPB nas próximas eleições estaduais.