Leopoldo Silva
Everardo Maciel: “Eu não gosto do Wanderley. O técnico da seleção deveria ser o Felipão”

O computador do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, é a cara do dono. Lá estão arquivados, por exemplo, e-mails de amigos-informantes (um deles enviou-lhe, na semana passada, pistas sobre o paradeiro do juiz Nicolau, não confirmadas), cópias escaneadas do registro comercial de empresas suspeitas de brasileiros em Miami e até dados sobre um certo funcionário do Fisco no Paraná, dono de cinco CPFs e processado por estelionato. Everardo reclama que está amarrado pela legislação e cobra mais instrumentos legais para acabar, por exemplo, com a farra dos sonegadores no futebol. Torcedor fanático do Sport Clube Recife, avisa: não gosta do desempenho do técnico da seleção. Na crítica a Wanderley, Everardo faz dobradinha com Romário, um centroavante que tem problemas com o Fisco. Se dependesse do secretário, Luxemburgo já estaria no olho da rua. Talvez junto com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que considera a sonegação de impostos um probleminha corriqueiro. “Um sonegador está na contramão da cidadania”, vocifera. Em entrevista a ISTOÉ, ele mostrou que tem um arsenal tão variado quanto o de seu computador.

ISTOÉ – Por que há tantos problemas com o Fisco na área de esportes?
Everardo Maciel – O esporte ganhou uma grande expressão econômica e financeira no Brasil e no mundo. Além disso, muitas pessoas que alcançam o sucesso na área esportiva são de origem humilde ou muito jovens. Isso é meritório, mas são pessoas manipuláveis, que se sujeitam à exploração de terceiros.

ISTOÉ – “Terceiros” são os clubes?
Everardo – Nos clubes, nos intermediários. Os clubes de futebol sempre tiveram tratamento amadorístico, quando não, isencional. Isso mudou recentemente, com a Lei Pelé, mas apareceram outras coisas perigosas e graves como os bingos.

ISTOÉ – Qual o problema dos bingos?
Everardo – Em nenhum momento eles ajudaram o esporte e trazem consigo toda sorte de criminalidade. Eu até fiz uma representação ao Ministério Público, como cidadão, contra os bingos.

ISTOÉ – A lei misturou bandido com esportista…
Everardo – Sem dúvida nenhuma. Introduziu um elemento pernicioso nessas relações. A existência do bingo já é um mal. Serve muito bem para lavagem de dinheiro, por exemplo. Não houve até hoje caso de investigação da Receita na área de bingos que não resultasse em toda sorte de ilícito fiscal.

ISTOÉ – Mas os clubes são coniventes, pois escolhem os bingos aos quais desejam se associar.
Everardo – O clube, no caso, é o laranja do bingueiro. Clubes, federações, confederações, agremiações e associações de um modo geral. Eu proporia a total erradicação do bingo no País. Proibiria.

ISTOÉ – O sr. ainda é do PFL?
Everardo – Desfiliei-me na década de 80. Nunca fiz política partidária.

ISTOÉ – É que o PFL, no Congresso, defende a legalização do jogo. Um dos arautos é o senador Edison Lobão.
Everardo – Independentemente de quem defende ou não o jogo, minha posição é absolutamente contrária.

ISTOÉ – A Receita brasileira deveria ter mais poderes?
Everardo – Deveria. O sigilo bancário, por exemplo, é uma enorme falácia. Hoje, a lei nos manda esperar que a Justiça julgue a conveniência de permitir o acesso do Fisco às informações bancárias, quando esse é um procedimento de natureza administrativa. Uma informação protegida pelo sigilo bancário não está protegida para o funcionário do banco, para o gerente, para o presidente do banco ou para o servidor do Banco Central. E por que está para o Fisco? Não é o sigilo que se protege nesse caso, é a sonegação.

ISTOÉ – O sr. teria um levantamento mostrando que 500 contribuintes que nem sequer apresentaram declaração de renda movimentaram mais de 1 milhão de reais nos últimos meses. O que vai fazer?
Everardo – Nós estamos fazendo um trabalho de cruzamento de informações do Imposto de Renda com a CPMF. O problema é que as normas que regem a CPMF não nos permitem utilizar essas informações para cobrar outros tributos. A prova seria considerada ilícita.

ISTOÉ – Quer dizer que o sr. tem o mapa do crime e não pode fazer nada?
Everardo – É uma situação kafkiana. Tenho indícios veementes de sonegação, mas não posso usá-los porque a legislação não me permite. É um absurdo.

ISTOÉ – Voltando ao caso do futebol, não falta punição?
Everardo – Acho que faltam normas rigorosas para alcançar o patrimônio dessas pessoas, antes de passar pela privação da liberdade. As execuções fiscais têm de ser mais rápidas. Poderia haver a execução fiscal extrajudicial, como faz o Fisco americano. Aqui, precisamos ir para a Justiça para executar até um réu confesso.

ISTOÉ – Instituições de caráter público, como a CBF, devem ao Fisco às claras. Isso não espanta?
Everardo – Abstraindo-me de casos específicos, mas falando da tese, o problema é que o processo de execução é lento. Cinco anos, em média.

 

ISTOÉ – Para defender Wanderley Luxemburgo, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, deu a entender que ter problemas com o Fisco seria uma coisa corriqueira.
Everardo – Não sei o que ele disse, mas falo sobre a frase. Quem tem problemas com o Fisco é, presumivelmente, um sonegador de impostos, está na contramão da cidadania. É ínfimo o número de brasileiros nessa situação. A imensa maioria cumpre suas obrigações, paga impostos.

ISTOÉ – O sr. gosta de futebol?
Everardo – Gosto. Torço para o Sport Recife e nenhum outro time.

ISTOÉ – E o que achou da Seleção Brasileira até a convocação do Romário?
Everardo – Não estava gostando. Acho que temos uma grave crise de talentos. Ataques que não funcionam, meio de campo embolado e a defesa, uma verdadeira peneira. (risos)

ISTOÉ – E do técnico, o sr. gosta?
Everardo – Não. Como torcedor apaixonado, com todo o respeito, eu teria melhores opções para técnico.

ISTOÉ – Então o Luxemburgo está no sal (risos). Qual seria a sua opção?
Everardo – O melhor quadro para dirigir a seleção é o Felipão, Luís Felipe Scolari, técnico do Cruzeiro.

ISTOÉ – O que o sr. fez até agora para dificultar a sonegação?
Everardo – No caso do sigilo bancário, o Senado aprovou projeto de lei correto, satisfatório, que está parado na Câmara.

ISTOÉ – Por que está parado?
Everardo – Não sei. O fato concreto é que não anda. Outra iniciativa: o governo mandou um projeto com uma norma geral contra a elisão fiscal (artimanhas usadas para não pagar impostos). Ela diz que a administração fiscal pode desconsiderar contratos feitos exclusivamente com o objetivo de não pagar impostos.

ISTOÉ – Como está esse projeto?
Everardo – Não passou ainda na Câmara dos Deputados.

ISTOÉ – Esses lobbies são poderosos?
Everardo – Muito poderosos. No caso do sigilo bancário, o projeto está na Câmara desde fevereiro de 1998. O segundo, da elisão, está lá há um ano.

ISTOÉ – Por outro lado, o Congresso reclama que o governo não quer a reforma tributária.
Everardo – O que é reforma tributária? Às vezes é o que está na cabeça de pessoas que não querem pagar impostos ou querem pagar menos. Apelidam isso de reforma tributária.

ISTOÉ – Não seria uma reforma que simplifique a tributação e acabe com a cobrança de impostos em cascata?
Everardo – Na tributação do consumo, reconheço, as dificuldades são imensas. No caso do ICMS, a coisa necessária a se fazer hoje é ter uma legislação nacional sobre o assunto.

ISTOÉ – No caso das contribuições sociais, há a cumulatividade, o que aumenta o custo dos produtos brasileiros…
Everardo – A cumulatividade não é uma virtude ou defeito em si. É uma forma de tributar. Os impostos de tributação cumulativa são mais simples, mais fáceis de cobrar. Os impostos sobre valor agregado são mais transparentes. Não queremos o engessamento constitucional. Por exemplo, a grande maioria das empresas brasileiras é optante do Simples, que é um sistema cumulativo. Além disso, nessa discussão, há uma agenda oculta.

ISTOÉ – Que agenda oculta?
Everardo – A verdadeira razão dessa grita contra a cumulatividade é a seguinte: a partir de janeiro de 1999, nós passamos a cobrar PIS e Cofins sobre as receitas financeiras de instituições não-financeiras. Dependendo da forma como se permite a dedução de impostos para evitar que se acumulem, essa tributação desaparece. É um debate que eu tenho com certos setores – preparados, diga-se de passagem – que não querem a tributação de receitas financeiras. Eu defendo que essas receitas sejam tributadas. Com isso, se evita que esse peso tributário recaia de forma desproporcional sobre o setor real da economia.

ISTOÉ – O governo festeja seguidos recordes na arrecadação. Mas isso significa que estamos pagando mais impostos.
Everardo – Há uma situação heterogênea. Por exemplo: antes de mudarmos a tributação sobre combustíveis, uns pagavam, outros não. Era uma situação de desequilíbrio competitivo entre contribuintes. Quando todos pagam, todos pagam menos.

ISTOÉ – A tabela do Imposto de Renda na fonte está congelada há quatro anos. Não é hora de corrigi-la, considerando a inflação do período?
Everardo – Não. A correção monetária foi extinta, felizmente. Corrigir a tabela seria restabelecer a indexação. Não vou patrocinar isso. Seria um desastre para o País.

ISTOÉ – Mas o fato é que, sem correção na tabela, gente que antes estava isenta não está mais.
Everardo – O limite de isenção do IR, hoje, está bem acima da renda per capta do brasileiro, abaixo da qual está a imensa maioria da população. O limite de isenção é R$ 900, a renda per capta está em R$ 625. Os pobres não estão sendo alcançados.

ISTOÉ – Mas o sr. está penalizando a classe média.
Everardo – Não, este limite de isenção repercute para todos os níveis. E por que tem de corrigir?

ISTOÉ – Porque a não-correção é uma forma de aumentar a tributação.
Everardo – Esse efeito é na margem, não sobre o total. As pessoas que estão na faixa mais alta da tabela estão pagando proporcionalmente a mesma quantia que antes. A grande maioria está no nível superior da tabela.
Se eu diminuo essa arrecadação, compenso com o quê? Não há almoço de graça. E, antes que eu me esqueça, sou um dos afetados. Estou aqui defendendo o interesse público.

ISTOÉ – Quais são os setores em que a sonegação é mais grave?
Everardo – Um campeoníssimo é o de combustíveis. Outro é o de bebidas. No setor de informática, o problema é o contrabando.

ISTOÉ – O que a Receita está fazendo a respeito das denúncias envolvendo o caso Eduardo Jorge?
Everardo – A Receita não fala sobre nenhum assunto que envolva contribuinte.

ISTOÉ – Mas ela está acompanhando?
Everardo – Não faço nenhum comentário ou observação sobre assunto que envolva contribuinte.

ISTOÉ – Seria omissão da Receita não acompanhar.
Everardo – Infelizmente, qualquer resposta que eu der acabará esclarecendo a dúvida embutida na sua pergunta.

ISTOÉ – Podemos então concluir que há investigação.
Everardo – Não vou ajudar nesse esclarecimento. É sigilo.