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Confronto: Guga “Estava encurralado.”

A queda-de-braço entre a fabricante de material esportivo italiana Diadora, patrocinadora do tenista Gustavo Küerten, o Guga, e a empresa brasileira Olympikus, parceira do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), terminou com a vitória da torcida. Na segunda-feira 4, Guga anunciou que estava fora das Olimpíadas de Sydney. Apesar de muito bem classificado, o atleta não conseguira vencer o poderoso jogo de marketing do mundo esportivo. A gaúcha Olympikus investiu US$ 5,4 milhões para ser a patrocinadora oficial dos atletas brasileiros. Como não tem a potência de uma Nike – a Diadora está levando 60 atletas para as Olimpíadas, enquanto a gigante americana apóia mil –, a empresa italiana apostou todas as fichas em Guga. Não podia perder a chance de exposição para o concorrente. Exigia, no mínimo, que seu pupilo jogasse com uniformes sem marca.

Apoiados no estatuto olímpico, que garante aos comitês nacionais o direito de fornecer as roupas nos Jogos, o COB não aceitou a afronta. Criou-se o impasse. Seria a primeira vez que um atleta brasileiro deixaria uma Olimpíada por restrições de patrocinadores. Com Guga fora da competição, o Brasil também perderia a vaga na disputa de duplas, em que o tenista catarinense estava inscrito com Jaime Oncins. Na quinta-feira 7, após muita negociação e pressão da matriz italiana da Diadora, Guga venceu o matchpoint. Vai jogar sim. E sem nenhuma marca na camisa, exceto o símbolo do COB. A Diadora cedeu e a Olympikus terá que se contentar com a exibição de seus três anéis apenas no pódio. “Agora vamos ver se eu ganho”, disse o campeão.

O final feliz premia o bom senso, mas ele não veio fácil. Inicialmente, o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, não aceitou a intransigência da patrocinadora de Guga. Mas ao receber uma carta do técnico Larri Passos, e do irmão do tenista, Rafael Küerten, informando as condições impostas pela Diadora, fez uma contraproposta. A Olympikus faria um uniforme especial para o tenista, com o logotipo de apenas 16 centímetros quadrados, bordados na mesma cor do tecido, para diminuir a visibilidade. Para os demais atletas, a regra seria anéis em amarelo sobre azul, ou vice-versa. Os agentes da fabricante italiana novamente disseram não. Guga tentou encerrar o assunto quebrando o serviço do COB: em carta à imprensa, disse que não iria a Sydney para não desonrar o patrocinador que o apóia desde o início da carreira. “Estava encurralado. Queria ir para as Olimpíadas, mas não podia dar as costas à Diadora”, afirmou o tenista.

Ataques – Alguns jornais acusaram o tenista de ser mercenário. Nuzman disse que ele não era patriota. “Me aflige a possibilidade de, no futuro, o atleta se tornar escravo das marcas esportivas”, ressaltou o dirigente. Num saque de mestre, Guga conseguiu reverter a situação a seu favor abrindo o jogo com os torcedores. Embaraçada com a polêmica, a Olympikus acabou liberando Nuzman para retirar a logomarca da empresa brasileira dos uniformes de jogo e treino do tenista. Aí o acordo saiu. Luis Alfredo Maia, diretor da Diadora no Brasil, disse que a empresa respirou aliviada com a conciliação. “Não seríamos loucos de ir contra a opinião pública”, afirma. “Prevaleceu o espírito olímpico”, comemorou Nuzman. “A pressão dos brasileiros e da imprensa é que estão me levando para Sidney”, disse Guga.

Ricardo Stuckert
Nuzman: “Ele não é patriota”

O acordo com a Olympikus foi assinado em março de 1999, três meses antes dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá. No mês seguinte, em reunião com todas as confederações brasileiras, o COB quis saber quais tinham contrato de patrocínio em vigor. Apenas futebol e atletismo se pronunciaram sobre as parcerias com Nike e Fila, respectivamente. Um acordo com a Olympikus liberou as duas confederações para disputar os Jogos de Sydney com o material de seus fornecedores. A premiação no pódio, porém, permaneceria reservada às roupas do patrocinador do COB. Em nome do espírito olímpico, os velocistas Claudinei Quirino e André Domingos e a saltadora Maurren Higga Maggi, por exemplo, que têm contratos com a Olympikus, vão disputar os Jogos com o material da Fila, patrocinadora oficial do atletismo. “Há direitos que devem ser preservados”, diz Nuzman. “Se fôssemos obrigados a deixar ídolos como Robert Scheidt e Xuxa livres das obrigações contratuais do COB nas Olimpíadas, por causa de patrocínios pessoais, quem se interessaria em fazer contratos conosco?”

Tiroteio – Não foi a primeira vez que um atleta com chance de medalha se viu entre o tiroteio de patrocinadores. Nos jogos de Barcelona, o astro americano do basquete Michael Jordan, símbolo mundial da Nike, concordou em usar o uniforme da Reebok, patrocinadora oficial do Dream Team. Mas, no pódio, cobriu-se com a bandeira americana para mostrar que o patriotismo estava acima das disputas de mercado. No mesmo evento, Jaime Oncins competiu com camisetas brancas compradas num supermercado para não ter problemas nem com seu patrocinador nem com o COB. “A gente bota o coração na quadra para ver o Brasil ganhar e não é justo ficar de fora por causa disso”, afirma o companheiro de Guga em Sydney. Para a tenista Vanessa Menga, “é melhor para a Diadora que Guga vença e ela passe quatro anos exibindo sua marca do que ele desistir e ela passar por vilã”. “Guga é um exemplo. Sua participação nos dará força”, resume Claudinei Quirino, recordista sul-americano dos 200 metros rasos. Resta torcer para que as emoções do tênis brasileiro voltem a ser produzidas dentro das quadras.